“Parabéns, seu teste deu negativo. Você não tem Covid-19. Pode voltar para casa.” A frase, repetida milhares de vezes nos últimos meses em prontos-socorros e hospitais de todo o Brasil, tem sido uma verdadeira sentença de morte para grande número de brasileiros.
A afirmação é dura e difícil de ser aceita, mas a prova de que é verdadeira são as estatísticas sobre mortes causadas por “síndrome respiratória aguda grave” que, num primeiro momento, achávamos serem casos não diagnosticados de coronavírus. Mas não eram. Essas mortes, que agora sabemos terem sido causadas por H1N1, influenza A ou B, pelo vírus sincicial respiratório ou por pneumonias, estavam e devem estar ainda ocorrendo sem diagnóstico, em decorrência da preocupação exclusiva com a Covid-19.
Basta imaginar o que acontece a cada dia pelo Brasil inteiro: com febre, tosse, coriza, um paciente é levado às pressas para um pronto-socorro onde imediatamente é feito um teste, rápido ou RT-qPCR para Covid-19, porque nesse momento da pandemia esse vírus é a preocupação principal de todos e com razão. Quando vem o resultado, negativo, há evidente alívio tanto do médico como do paciente, que volta para casa. Só que volta com os mesmos sintomas, com a mesma febre e, certo de que sua doença, essa sim, seria uma “gripezinha”, deve ser tratada com um antitérmico, analgésico e talvez até mesmo com o chá de alho que a vovó receitava.
O problema é que a doença existe e, se for influenza, estamos esquecendo que todo ano ela mata um número significativo de brasileiros; se for pneumonia, pode ser mais mortal ainda. Mas, como todos estão preocupados com o coronavírus e o paciente não está contaminado por ele, fica sem o tratamento adequado; principalmente se for idoso ou tiver uma comorbidade, acaba falecendo.
É nesse contexto que ganham importância os testes mais sofisticados que estão saindo dos laboratórios de pesquisa mais avançados do mundo e que identificam não apenas contaminação pela Covid-19, mas por várias doenças. Para não nos centramos unicamente no coronavírus, lembro que há poucos meses voltaram a chegar ao Brasil os multitestes para doenças sexualmente transmissíveis produzidos na Coreia do Sul. Um único teste tem sete marcadores diferentes: para clamídia, gonorreia, tricomonas, entre outros.
Apenas com testes moleculares com múltiplos marcadores – e eles estão sendo desenvolvidos neste momento por pesquisadores de várias partes do planeta – é que poderemos atender à população carente, que mais facilmente se infecta com o vírus da influenza, pneumonia ou outras síndromes respiratórias. Para essa população que não tem como fazer isolamento, para famílias pobres nas quais por vezes três ou quatro pessoas dormem sobre o mesmo colchão, não tendo como evitar eventuais contaminações, para esses brasileiros é vital haver uma ferramenta que garanta um diagnóstico preciso, rápido e confiável, mesmo que o agente infeccioso não seja o Sars-CoV-2.
Atualmente é difícil um laboratório ter “espaço” para diagnosticar síndromes respiratórias não relacionadas à Covid-19. Em plena pandemia, não é viável parar de testar para o Sars-CoV-2 para usar os equipamentos ainda insuficientes para testar uma única amostra sucessivamente para gripe comum, para dengue ou para identificar qual o agente que causou pneumonia. O coronavírus tem preferência.
No médio prazo, porém – e sou bastante otimista nesse ponto –, vai haver uma vulgarização mundial de testes com múltiplos marcadores para as síndromes respiratórias. Nesse dia, que espero chegue logo, quando um paciente precisar ir a um pronto-socorro, sairá com o diagnóstico fechado, com a identificação exata do vírus que o afeta e com o tratamento. Quando, provavelmente no curto prazo, esse tempo chegar, tenho certeza de que as estatísticas brasileiras mostrarão uma queda vertical das mortes causadas pelo que chamamos hoje “síndrome respiratória aguda”. Oxalá eu esteja certo.
Guilherme Ambar é biólogo e CEO da Seegene do Brasil, ramo nacional da empresa cujos testes ajudaram a Coreia do Sul a ter sucesso contra a pandemia de Covid-19.