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Nas últimas décadas, a China consolidou-se como um ator-chave na geopolítica global, evidenciando sua crescente influência, especialmente no continente africano. A mais recente demonstração desse movimento estratégico ocorreu no Fórum Trienal da Cúpula de Cooperação China-África (FOCAC), realizado em 6 de setembro de 2024, em Pequim. Este evento, que se destacou como o maior encontro diplomático pós-pandemia da Covid-19, reforça a intenção chinesa de expandir sua presença e influência no continente africano, um cenário que se configura como parte essencial da projeção de poder da China em âmbito global.
O compromisso anunciado pelo presidente chinês Xi Jinping, de um investimento total de 51 bilhões de dólares até 2027, é uma clara sinalização da profundidade e da intensidade com que a China pretende manter e expandir seus laços com os países africanos. A distribuição deste montante – com 29,5 bilhões de dólares em linhas de crédito, 11,2 bilhões de dólares em assistência, e 9,8 bilhões de dólares destinados a investimentos de empresas chinesas – reflete uma abordagem multifacetada que combina elementos de cooperação financeira, investimento direto e transferência de tecnologia.
Ao criar dependência financeira e moldar a política regional, Pequim estaria garantindo um avanço geopolítico e uma vantagem competitiva em um continente que ainda possui recursos minerais abundantes, consolidando sua influência e colocando em xeque a presença ocidental na região
Além disso, a promessa de criar mais de 1 milhão de empregos no setor agrícola demonstra o interesse chinês em fomentar o desenvolvimento sustentável no continente, fortalecendo setores econômicos essenciais. Entretanto, o anúncio mais impactante, e que certamente terá amplas repercussões geopolíticas, é a isenção de tarifas de importação para produtos oriundos de países menos desenvolvidos que mantêm laços diplomáticos com a China. Essa estratégia evidencia uma tentativa clara de consolidar a dependência econômica e a influência política chinesa, ao mesmo tempo em que busca reforçar alianças em regiões-chave do globo.
A expansão da presença chinesa na África tem o potencial de remodelar as alianças tradicionais do continente com o Ocidente, criando uma preocupação crescente entre os Estados Unidos, União Europeia e seus parceiros. Em 2022, o volume total de comércio entre a China e a África atingiu um pico de US$ 257,67 bilhões, tornando a China o principal parceiro comercial de muitos países africanos, superando o Reino Unido e os Estados Unidos. Em termos de financiamento, entre 2000 e 2022, a China forneceu cerca de US$ 170,08 bilhões em empréstimos para governos africanos, sendo a maior parte canalizada por instituições financeiras como o Banco de Exportação e Importação da China e o Banco de Desenvolvimento da China. A maior parte desses empréstimos foi direcionada para o setor energético, incluindo projetos de combustíveis fósseis e renováveis.
O fato de a China ter se estabelecido como a maior parceira comercial da África no primeiro semestre de 2024, registrando um volume de 152 bilhões de euros em trocas comerciais, transcende a mera questão financeira. A verdadeira inquietação geopolítica reside na possibilidade de a China adquirir uma influência inquestionável sobre a região, ao capitalizar em seu modelo de investimentos e assistência em troca de acesso a recursos naturais estratégicos, como cobre, ouro e lítio, cruciais para sustentar o ritmo de crescimento econômico chinês.
Essa abordagem, que combina parcerias de investimento em infraestrutura e financiamentos atrativos, pode ser percebida como parte de uma estratégia mais ampla, alinhada à Iniciativa da Nova Rota da Seda, que visa expandir a presença econômica e política da China globalmente. Tal estratégia levanta preocupações sobre a possibilidade de que os países africanos acabem presos em uma armadilha da dívida, caracterizada por empréstimos inicialmente favoráveis, mas que posteriormente se tornam onerosos devido a aumentos nas taxas de juros.
Ao oferecer financiamento em condições aparentemente vantajosas, a China pode consolidar sua posição e influenciar a formulação de políticas locais, o que leva à reflexão sobre se essa abordagem não seria uma nova forma de colonialismo econômico moderno. Ao criar dependência financeira e moldar a política regional, Pequim estaria garantindo um avanço geopolítico e uma vantagem competitiva em um continente que ainda possui recursos minerais abundantes, consolidando sua influência e colocando em xeque a presença ocidental na região.
João Alfredo Nyegray é mestre e doutor em Internacionalização e Estratégia, professor do curso de Negócios Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e coordenador do Observatório de Negócios Internacionais da PUCPR; Barbara Kammers e Luigi Dalarme são estudantes de Negócios Internacionais e membros do Observatório de Negócios Internacionais da PUCPR.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos