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Ilustração: Marcos Tavares/Thapcom
Ilustração: Marcos Tavares/Thapcom| Foto:

A retirada do regime de capitalização do relatório da reforma da Previdência apresentado no dia 13 de junho na Câmara dos Deputados não significa que o assunto está fora do debate. Pelo contrário: só é possível pensar em uma solução para a questão previdenciária se for incluída a capitalização. Mudanças levando em conta apenas aspectos paramétricos, como idade e gênero, significam mero adiamento, algo inconcebível quando se trata de tema tão relevante.

A capitalização representa um salto enorme na construção de um modelo sustentável de previdência, desde que seja acompanhada de salvaguardas sociais para proteger os mais vulneráveis.

A poupança capitalizada de maneira adequada foi adotada com sucesso em praticamente todos os países em que foi instituída. É um avanço, ainda mais diante de um cenário em que o regime de repartição simples, em que as pessoas em atividade laboral pagam pelos que estão aposentados, tornou-se inviável. Basta fazer as contas: há um claro decréscimo no número de trabalhadores ativos, aos quais caberia sustentar com contribuições o contingente dos inativos – que, na direção contrária, cresce sem parar e em ritmo acelerado. É a longevidade ganhando terreno, uma excelente notícia que, no entanto, requer novos olhares para questões como a previdência.

Feita essa constatação, é preciso ter cuidado para que o Brasil não repita os erros cometidos pelo Chile no início da década de 1980. Lá, optou-se por uma privatização radical e equivocada da previdência, com o virtual desaparecimento da vertente estatal. Foi um regime marcadamente financeiro, sem uma vocação real para o longo prazo, embora o largo horizonte temporal seja a marca que não pode faltar a qualquer modelo de previdência. Os resultados naquele país têm se mostrado muito aquém do esperado, com aposentadorias em sua maioria de valor irrisório. Felizmente essa linha não foi seguida pela maioria dos países e até os chilenos estão há alguns anos corrigindo seu modelo.

A demonização de que o tema foi alvo no relatório apresentado na Câmara dos Deputados não tem qualquer base técnica e revela desconhecimento sobre o assunto

No Brasil, essa lição foi aparentemente aprendida. Nos debates anteriores à apresentação do relatório da reforma, ganhou força a tese de que deve ser estabelecido um valor mínimo de benefício. Muito bom que seja assim, mas não se pode esquecer que sem a capitalização a conta não fecha.

Pensando dessa forma, apoiamos a abrangente proposta da Fipe/USP, que se baseia em quatro pilares. O primeiro deles cria uma “Renda Básica do Idoso”, que seria paga a todos os que chegarem aos 65 anos, no valor de R$ 550. O segundo pilar, similar ao atual do INSS, prevê que o trabalhador que ganha até R$ 2,2 mil por mês contribua sobre o salário para ter, no futuro, um benefício com teto de R$ 1.650, complementar à Renda Básica.

A proposta da Fipe/USP estabelece também que o trabalhador com ganho acima de R$ 2,2 mil faça parte do terceiro pilar, de capitalização. O objetivo é que os empregadores continuem pagando os 8% sobre a folha que hoje são depositados no FGTS, mas que este passaria a servir como fonte para a aposentadoria, como também prevê emenda apresentada pelo deputado Kim Kataguiri. O quarto pilar é o modelo que já existe atualmente: o de previdência complementar, com os planos disponíveis no mercado.

Não se pode esquecer que o Brasil conta com um fator a mais em favor da adoção da capitalização: a previdência complementar fechada, em que os fundos de pensão – entidades sem fins lucrativos e guiadas pela cultura do equilíbrio atuarial e financeiro –, que existem há mais de 40 anos, pagam em dia, anualmente, mais de R$ 42 bilhões em aposentadorias e pensões a cerca de 800 mil pessoas. É poupança capitalizada e gerenciada por planos que têm proporcionado ganhos consistentes dos seus investimentos. Mais ainda: os fundos de pensão adotam governança aprimorada que permite ao participante estar mais próximo da gestão, o que aumenta sua confiança de que seus recursos estão sendo administrados da melhor maneira.

Leia também: O esforço coletivo para a recuperação econômica e dos negócios no Brasil (artigo de Jorge Sukarie, publicado em 20 de junho de 2019)

Leia também: A reforma da Previdência não aceita mais desperdício de tempo (editorial de 13 de junho de 2019)

Dados como esses reforçam a tese de que a capitalização via entidades fechadas de previdência complementar representa uma alternativa vantajosa para os trabalhadores quando se trata de pensar em uma previdência melhor e mais justa. Ela oferece produtos verdadeiramente previdenciários, que devem ser separados daqueles que têm finalidade financeira.

Essa é uma das diferenças fundamentais entre a previdência “fechada” e a “aberta”, oferecida por instituições financeiras. Há espaço para as duas, e concorrência sempre é saudável, mas deve-se levar em conta que cada uma tem suas características, entre as quais é preciso destacar também a duração dos planos. Os fundos de pensão têm duração média de 15 anos, muito acima da que prevalece na previdência aberta, e é importante sempre recordar que a previdência precisa se basear em uma relação de confiança entre gestores e poupadores que perdura por décadas.

A capitalização, mais cedo ou mais tarde, vai voltar ao debate sobre mudanças na Previdência. A demonização de que o tema foi alvo no relatório apresentado na Câmara dos Deputados não tem qualquer base técnica e revela desconhecimento sobre o assunto. Exemplos não faltam para nos mostrar que sem capitalização não há solução, desde que ela seja adotada da maneira correta e levando em conta as reais necessidades do país.

Luís Ricardo Martins é presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp).

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