O presidente da Argentina, Javier Milei, disse que a política de corte de gastos será mantida em 2025| Foto: EFE/Juan Ignacio Roncoroni
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Há cerca de um ano, no início de seu mandato, Javier Milei assumiu a presidência da Argentina em um contexto de profunda crise econômica e social. O país enfrentava uma inflação persistentemente elevada (ultrapassando 100% ao ano em 2023), níveis críticos de pobreza e desigualdade, um endividamento externo significativo e reservas internacionais reduzidas. A crise de confiança nas instituições econômicas argentinas era aguda, após sucessivas tentativas frustradas de estabilização monetária e fiscal, a credibilidade da política econômica junto a investidores internacionais e parceiros comerciais estava em xeque. Além disso, a Argentina enfrentava um cenário de fragmentação social e polarização política, reflexos de décadas de instabilidade econômica, políticas inconsistentes e um Estado incapaz de oferecer garantias seguras no campo social.

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No transcorrer de seu primeiro ano no poder, Milei buscou implementar um pacote de reformas econômicas inspiradas em ideias liberalizantes, com ênfase na desregulamentação e abertura comercial. Embora o processo de dolarização não tenha se concretizado, registraram-se esforços para a redução drástica da interferência do Banco Central na economia, visando aumentar a credibilidade monetária. O governo também negociou um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), buscando aliviar a pressão sobre o serviço da dívida externa e garantir previsibilidade no financiamento do déficit fiscal, ainda que sob condições austeras.

É inegável que houve avanços. Em apenas um ano, Milei dificilmente desfaria décadas de políticas econômicas irresponsáveis. Para os próximos anos, é razoável esperar que outros resultados positivos se concretizem

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Do ponto de vista da economia política internacional, a agenda de Milei apresentou um realinhamento das prioridades externas, privilegiando parcerias com os Estados Unidos e outros países centrais, bem como a retomada de negociações com organismos multilaterais para angariar capital e know-how tecnológico.

Internamente, o ajuste econômico gerou tensões que já eram esperadas. As políticas de contenção de gastos públicos — incluindo cortes em subsídios e programas sociais — enfrentaram forte resistência de setores populares e sindicais, temerosos com os impactos sobre renda e emprego. O combate à inflação, por meio de contração monetária e redução brusca do déficit fiscal, resultou inicialmente em retração econômica e descontentamento social – algo que o próprio Milei já havia dito que ocorreria.

A polarização política, já presente na sociedade argentina, intensificou-se. Partidos de oposição, alinhados a uma visão mais intervencionista, organizaram protestos e questionaram a legitimidade do programa de austeridade, ao mesmo tempo em que criticavam a dependência do governo em relação aos organismos internacionais. A capacidade de Milei de manter coesão política no Congresso foi testada, evidenciando limites institucionais para reformas radicais. Ainda que o presidente tenha tentado consolidar sua base política com um discurso de ruptura com o “velho modelo” e o “establishment”, a governabilidade exigiu certa moderação retórica e acordos pragmáticos, sobretudo com governadores e grupos empresariais domésticos.

Do ponto de vista das relações internacionais, a política econômica mais liberal procurou atrair investimentos estrangeiros diretos e diversificar a matriz exportadora. A busca por uma inserção mais competitiva e menos dependente de commodities tradicionais (como soja e produtos agropecuários) incluiu incentivos fiscais a setores tecnológicos, energias renováveis e mineração de lítio. No entanto, a efetividade dessas iniciativas enfrentou desafios de infraestrutura precária, incertezas regulatórias e a herança de um ambiente institucional marcado pela insegurança jurídica.

Após o primeiro ano de gestão, a inflação desacelerou gradualmente, embora ainda permanecesse em patamar elevado. Se, no início do mandato a inflação anual superava os 100%, agora situava-se entre 70% a 80% ao ano. Esse número, embora ainda muito alto em comparação a padrões internacionais, indica progresso na contenção da inércia inflacionária, fruto de uma política monetária mais restritiva, cortes de subsídios e esforços para estabilizar o câmbio. A redução da volatilidade no mercado paralelo de câmbio e a menor expectativa de desvalorizações frequentes do peso (mesmo em um contexto de parcial dolarização) também contribuíram para moderar a pressão inflacionária.

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No que se refere à atividade econômica, a combinação de medidas de austeridade fiscal, contração monetária e menor interferência estatal resultou em estagnação ou leve recessão. Assim, se no início do mandato a economia encontrava-se em retração ou com crescimento próximo de zero, após um ano o PIB pode ter continuado estagnado, com variações entre -1% e +1%. A desaceleração da inflação, embora positiva para perspectivas de médio prazo, não se traduziu de imediato em melhorias significativas nos salários reais. O desemprego permaneceu em níveis semelhantes ao período inicial (entre 9% e 11%), e a pobreza, apesar de um leve recuo, ainda estava acima de 35%. Embora a contenção inflacionária tenha trazido algum alívio setorial, seus efeitos ainda não se traduziram em bem-estar social amplo, já que os ganhos de credibilidade não se converteram rapidamente em maior oferta de empregos de qualidade.

Ainda assim, é inegável que houve avanços. Em apenas um ano, Milei dificilmente desfaria décadas de políticas econômicas irresponsáveis. Para os próximos anos, é razoável esperar que outros resultados positivos se concretizem.

João Alfredo Lopes Nyegray, advogado e graduado em Relações Internacionais, é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais e coordenador do curso de Comércio Exterior e do Observatório Global da Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]