Há cerca de um ano, no início de seu mandato, Javier Milei assumiu a presidência da Argentina em um contexto de profunda crise econômica e social. O país enfrentava uma inflação persistentemente elevada (ultrapassando 100% ao ano em 2023), níveis críticos de pobreza e desigualdade, um endividamento externo significativo e reservas internacionais reduzidas. A crise de confiança nas instituições econômicas argentinas era aguda, após sucessivas tentativas frustradas de estabilização monetária e fiscal, a credibilidade da política econômica junto a investidores internacionais e parceiros comerciais estava em xeque. Além disso, a Argentina enfrentava um cenário de fragmentação social e polarização política, reflexos de décadas de instabilidade econômica, políticas inconsistentes e um Estado incapaz de oferecer garantias seguras no campo social.
No transcorrer de seu primeiro ano no poder, Milei buscou implementar um pacote de reformas econômicas inspiradas em ideias liberalizantes, com ênfase na desregulamentação e abertura comercial. Embora o processo de dolarização não tenha se concretizado, registraram-se esforços para a redução drástica da interferência do Banco Central na economia, visando aumentar a credibilidade monetária. O governo também negociou um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), buscando aliviar a pressão sobre o serviço da dívida externa e garantir previsibilidade no financiamento do déficit fiscal, ainda que sob condições austeras.
É inegável que houve avanços. Em apenas um ano, Milei dificilmente desfaria décadas de políticas econômicas irresponsáveis. Para os próximos anos, é razoável esperar que outros resultados positivos se concretizem
Do ponto de vista da economia política internacional, a agenda de Milei apresentou um realinhamento das prioridades externas, privilegiando parcerias com os Estados Unidos e outros países centrais, bem como a retomada de negociações com organismos multilaterais para angariar capital e know-how tecnológico.
Internamente, o ajuste econômico gerou tensões que já eram esperadas. As políticas de contenção de gastos públicos — incluindo cortes em subsídios e programas sociais — enfrentaram forte resistência de setores populares e sindicais, temerosos com os impactos sobre renda e emprego. O combate à inflação, por meio de contração monetária e redução brusca do déficit fiscal, resultou inicialmente em retração econômica e descontentamento social – algo que o próprio Milei já havia dito que ocorreria.
A polarização política, já presente na sociedade argentina, intensificou-se. Partidos de oposição, alinhados a uma visão mais intervencionista, organizaram protestos e questionaram a legitimidade do programa de austeridade, ao mesmo tempo em que criticavam a dependência do governo em relação aos organismos internacionais. A capacidade de Milei de manter coesão política no Congresso foi testada, evidenciando limites institucionais para reformas radicais. Ainda que o presidente tenha tentado consolidar sua base política com um discurso de ruptura com o “velho modelo” e o “establishment”, a governabilidade exigiu certa moderação retórica e acordos pragmáticos, sobretudo com governadores e grupos empresariais domésticos.
Do ponto de vista das relações internacionais, a política econômica mais liberal procurou atrair investimentos estrangeiros diretos e diversificar a matriz exportadora. A busca por uma inserção mais competitiva e menos dependente de commodities tradicionais (como soja e produtos agropecuários) incluiu incentivos fiscais a setores tecnológicos, energias renováveis e mineração de lítio. No entanto, a efetividade dessas iniciativas enfrentou desafios de infraestrutura precária, incertezas regulatórias e a herança de um ambiente institucional marcado pela insegurança jurídica.
Após o primeiro ano de gestão, a inflação desacelerou gradualmente, embora ainda permanecesse em patamar elevado. Se, no início do mandato a inflação anual superava os 100%, agora situava-se entre 70% a 80% ao ano. Esse número, embora ainda muito alto em comparação a padrões internacionais, indica progresso na contenção da inércia inflacionária, fruto de uma política monetária mais restritiva, cortes de subsídios e esforços para estabilizar o câmbio. A redução da volatilidade no mercado paralelo de câmbio e a menor expectativa de desvalorizações frequentes do peso (mesmo em um contexto de parcial dolarização) também contribuíram para moderar a pressão inflacionária.
No que se refere à atividade econômica, a combinação de medidas de austeridade fiscal, contração monetária e menor interferência estatal resultou em estagnação ou leve recessão. Assim, se no início do mandato a economia encontrava-se em retração ou com crescimento próximo de zero, após um ano o PIB pode ter continuado estagnado, com variações entre -1% e +1%. A desaceleração da inflação, embora positiva para perspectivas de médio prazo, não se traduziu de imediato em melhorias significativas nos salários reais. O desemprego permaneceu em níveis semelhantes ao período inicial (entre 9% e 11%), e a pobreza, apesar de um leve recuo, ainda estava acima de 35%. Embora a contenção inflacionária tenha trazido algum alívio setorial, seus efeitos ainda não se traduziram em bem-estar social amplo, já que os ganhos de credibilidade não se converteram rapidamente em maior oferta de empregos de qualidade.
Ainda assim, é inegável que houve avanços. Em apenas um ano, Milei dificilmente desfaria décadas de políticas econômicas irresponsáveis. Para os próximos anos, é razoável esperar que outros resultados positivos se concretizem.
João Alfredo Lopes Nyegray, advogado e graduado em Relações Internacionais, é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais e coordenador do curso de Comércio Exterior e do Observatório Global da Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray