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Lula aprovação governo
O presidente Lula.| Foto: Sedat Suna/EFE

Há algum tempo, quando escrevíamos – jornalistas e cientistas políticos – sobre a avaliação de um começo de governo, analisávamos, geralmente, os 100 primeiros dias. Mas a vida real e virtual, hiperconectada e veloz, exige reflexões que, às vezes, podem traçar apenas alguns aspectos panorâmicos. Afeito ao presidencialismo de confrontação e a transformar adversários em inimigos, Bolsonaro não reconheceu a vitória de Lula, não lhe entregou a faixa presidencial e teve um discurso dúbio e pouco enfático na condenação das ações extremistas a que assistimos.

Após uma posse tranquila, quando se imaginava que o governo fosse engrenar, veio o ataque orquestrado à democracia e às sedes dos três poderes no dia 08 de janeiro. Essa data marcará de forma indelével a nossa história, pois demonstra, cabalmente, que fake news, teorias da conspiração, pós-verdade e negacionismo não são, como querem muitos, liberdade de expressão, mera opinião. São, sim, elementos que se coadunam num caldo de cultura política autoritária, populista e corrosiva à democracia e aos valores republicanos.

A famigerada frente ampla com a qual Lula se comprometeu em governar é mais ilusória do que real.

Com os ataques, mesmo com Bolsonaro fora do país, a agenda do novo governo foi capturada pelo bolsonarismo, fazendo com que Lula e seus ministros tivessem que operar numa ação reativa e não proativa, como se vislumbraria num início de mandato. Outro ponto politicamente importante é que a famigerada frente ampla com a qual Lula se comprometeu em governar é mais ilusória do que real.

Há forte presença do PT (obviamente), mas, também, de partidos de esquerda – hegemonizados pelo lulopetismo –, uma frente fisiológica (o Centrão continua presente) e da frente ampla, Marina Silva e Simonte Tebet e olhe lá. De seus ministros, dois já trazem problemas para Lula: Daniela Carneiro (Turismo) e Juscelino Filho (Comunicações): a primeira, suspeita de envolvimento com milicianos; o segundo, por ter utilizado recursos públicos do orçamento secreto para asfaltar uma estrada que leva a uma fazenda de sua propriedade. Ainda no campo reativo, o governo se depara com a crise humanitária dos Yanomami, numa situação de doença, miséria, desnutrição e mortes. As cenas divulgadas são de uma desumanidade ímpar e causam impacto no Brasil e no mundo.

Num ambiente ainda polarizado e eletrizado, especialmente, com os militares, Lula e seus ministros (Dino e Múcio) tiveram que se desdobrar a fim de retomar a autoridade que foi colocada em xeque por alguns militares ideologicamente alinhados ao bolsonarismo de extrema direita. Até por conta desse ambiente, o Fórum Mundial de Davos teve como representantes dois ministros: Fernando Haddad e Marina Silva, Fazenda e Meio Ambiente, respectivamente. É uma clara sinalização de pensar a economia conectada à sustentabilidade, além, é claro, da reinserção do Brasil no palco internacional.

Nesse aspecto, Lula já viajou para a Argentina e Uruguai, recebeu ligações e a solidariedade dos principais líderes mundiais e, há pouco, encontrou-se com o primeiro-ministro da Alemanha. Contudo, no campo da economia, Haddad ainda não conquistou o mercado com suas ideias e planos. Lula, por sua vez, continua com o discurso maniqueísta em relação ao mercado e sinaliza que o teto de gastos é um mal a ser vencido.

Por fim, na Argentina, Lula retoma a narrativa de que Dilma teria sofrido um golpe e não um processo de impeachment que se iniciou na Câmara, desenvolveu-se no Senado e teve supervisão do Supremo Tribunal Federal. Com isso, Lula mantém a militância ativa, todavia, esse discurso alimenta desconfianças e ataques às instituições nacionais.

O STF que acompanhou, constitucionalmente, o processo de impeachment é o mesmo que permitiu Lula voltar à vida política e tornou Sérgio Moro um juiz parcial; é a mesma Corte que, duramente, lutou contra o bolsonarismo e garantiu o resultado eleitoral de 2022; os presidentes da Câmara e do Senado foram rápidos ao reconhecerem a vitória de Lula na última eleição. Com isso, fica a questão: quando esses atores políticos e essas instituições estão do meu lado, estão certas, quando não estão é golpe?

Nesse janeiro de 2023, os dias foram repletos de fatos políticos, eventos que estão cravados na história, sem dúvida. Que Lula e seus ministros possam gozar da normalidade institucional e entregar à sociedade aquilo que foi proposto na campanha eleitoral. Que sua ação política seja, sempre, democrática e republicana, junto aos demais poderes e, melhor ainda, no respeito ao pacto federativo e parceria com os governadores. O Brasil reclama por tranquilidade, civilidade e respeito à democracia.

Rodrigo Augusto Prando é professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia.

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