Não é de hoje que o Poder Judiciário sucumbe à opinião pública, menosprezando direitos e garantias fundamentais. O gravíssimo e recente acidente automobilístico na cidade de São Paulo, que resultou na morte de um motorista de aplicativo, levou à decretação de prisão preventiva, pelo TJ-SP, do condutor do carro de luxo envolvido na colisão, embora diferentes magistrados de primeiro grau já tivessem decidido que a prisão dele não era necessária.
Chega a ser irônico que o Tribunal, em inúmeras oportunidades, ao denegar pedidos de liberdade provisória, fundamente a decisão no fato de que o juiz da causa é quem tem maior conhecimento do caso concreto – motivo pelo qual decide corroborar a sua posição. Ocorre que neste caso do motorista do Porsche o tribunal ignorou a própria cartilha, embora o juiz de primeiro grau já houvesse indeferido, em três oportunidades, o pedido de prisão preventiva. Ora, o senso comum e a jurisprudência só servem para manter alguém preso?
Além disso, chama a atenção a forma como a prisão foi decretada, uma vez que a decisão foi proferida nos autos de uma cautelar inominada do Ministério Público (MP) que serviu como verdadeiro habeas corpus às avessas. Embora muito abusiva, a estratégia é usual para se burlar a Súmula 604 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo a qual, por óbvio, o MP não goza do direito líquido e certo de prender ninguém.
Ainda, o juiz da causa reiterou que não existe fato novo capaz de alterar o quadro fático e jurídico do acusado, que já tinha fixado contra si oito medidas cautelares diferentes da prisão, dentre elas a suspensão do direito de dirigir, pagamento de fiança milionária etc.
Ora, por que não utilizar a tecnologia ao invés da prisão? Mais econômico é utilizar a tornozeleira eletrônica que possui GPS e acelerômetro capazes de identificar com precisão a velocidade de deslocamento do custodiado. Ou seja, basta calibrar o dispositivo para informar a central caso o cidadão trafegue acima de, por exemplo, 80 km por hora. Mais racional e barato do que jogar mais uma pessoa no caótico sistema prisional.
Outro aspecto merece atenção. Por que apenas os casos que preenchem o binômio “carro de luxo e mídia” são embalados com o rótulo de dolo eventual? Incrível que ninguém discuta que o dolo eventual é uma exceção dificílima de ser provada em juízo porque exige duas condições: a certeza de que o motorista conseguia antever o resultado mais gravoso da sua conduta e conscientemente assumiu o risco de gerar o resultado trágico.
Não há dúvida de que todo fato criminal merece atenção do Poder Judiciário. Todavia, isso não permite atuação fora da regra constitucional, mediante a imposição antecipada de pena de reclusão, sem que o julgamento formal tenha sequer sido iniciado, violando-se assim a garantia fundamental da presunção de inocência do acusado.
André Damiani, sócio fundador do Damiani Sociedade de Advogados, é advogado criminalista especializado em Direito Penal Econômico.