A maioria das tecnologias e plataformas digitais não foram feitas para crianças e adolescentes, principalmente considerando a fase peculiar de desenvolvimento que elas atravessam. Apesar disso, com as inovações tecnológicas e a conectividade oferecidas pelos celulares, é crescente o tempo em eles que passam diante das telas, sendo os principais usuários de alguns aplicativos e plataformas digitais.
Não apenas a sua segurança e integridade física podem ser ameaçadas no ambiente online, como também a psíquica, considerando as possibilidades de vazamentos ou de exposição indevida de suas informações, além do uso de dados pessoais para fins de exploração comercial e de publicidade. No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) já falam sobre a proteção de menores de idade. Porém, muitas vezes os próprios pais são as pessoas que compartilham demais a vida dos filhos.
Não só as famílias e escolas devem contribuir para a garantia efetiva da privacidade de jovens e crianças, mas também as empresas têm papel fundamental.
Uma pesquisa realizada pela Avast, empresa que desenvolve sistemas antivírus, reuniu 500 pais e mães e revelou que cerca de 33% dos entrevistados informaram já ter publicado uma foto do seu filho menor de idade, sem nenhum tipo de restrição que impeça a identificação da criança. Ainda mais além, cerca de 60% consideram que há a possibilidade das imagens “fugirem” do ciclo de amigos e familiares e alcançar pessoas desconhecidas.
Essa ação já tem até nome: sharenting. Um neologismo que combina as palavras “share” (compartilhar) e “parenting” (paternidade). Entre as consequências do shareting, estão a superexposição, trabalho infantil, problemas psicológicos relacionados à autoestima e saúde mental e até perigos à segurança física. Hoje em dia podemos adicionar o perigo dos deep fakes, que são cópias geradas com o auxílio de inteligência artificial que podem ser utilizadas para fraudes e outras atividades criminosas As famílias acabam sendo o elo mais fraco, pois muitas vezes os pais não sabem o que está em jogo. Como adultos, é obrigação nossa proteger os dados de crianças de qualquer uso inadequado, e mantê-las com o direito a uma vida privada até que tenham discernimento para decidir se querem ou não ter seus perfis exibidos na internet.
Desde 2022, o direito à proteção dos dados pessoais no Brasil, inclusive nos meios digitais, é previsto como direito fundamental (art. 5º, LXXIX da CF/88). Nesse sentido, um dos principais pontos de atenção é sobre a exposição de dados que possam identificar pessoas. Temos que ter em mente que o ambiente da web é, de certo modo, público, pois a web foi inventada por Tim Berners Lee para compartilhar e organizar conteúdos. Todas as fotos, dados e documentos que são colocados em redes sociais, por exemplo, podem ser printados ou fotografados por seguidores ou amigos com acesso à conta sem restrições. A mesma importância que se dá ao não deixar uma criança pequena sozinha em um shopping center, por exemplo, deve ser dada aos dados das crianças.
O direito à privacidade é também o direito à identidade digital de cada um.
Já os adolescentes estão expostos a outros tipos de risco, e a sua consciência digital deve ser desenvolvida desde cedo. Posso citar os perigos dos mecanismos das mídias sociais, que podem induzir comportamentos a partir da exposição a determinados conteúdos, como é o caso da anorexia, por exemplo. Além disso, os jovens estão expostos a predadores sexuais, bullying, revenge porn, entre outros crimes.
Até os 12 anos, seria bom que todas as crianças aprendessem como funcionam os algoritmos de recomendação e o básico sobre plataformas de mídias sociais, para entenderem as consequências do consumo intensivo de conteúdos circulando na internet. A ferramenta mais poderosa para proteção ainda é a educação. Não é só aprender sobre as ferramentas em si, mas aprender como funciona a internet, para onde vão seus dados, quem cuida deles e o que pode acontecer se ficarem à disposição. Outra ação poderosa é cobrar das empresas o correto tratamento dos dados, com transparência, dando o controle para as pessoas donas dos dados, de modo que sempre saibam com quem, para quê e até quando seus dados estão sendo compartilhados.
Quando falamos de dados e privacidade, precisamos também nos preocupar com fotos, dados de documentos, dados de localização, endereço e telefone de crianças e adolescentes para evitar a sua exposição aos fraudadores e outros tipos de criminosos. Uma coisa é o tratamento de dados pessoais de maiores de idade e com plena capacidade para exercer os seus direitos. A situação pode ficar um pouco diferente ao tratarmos de menores de idade, pois são dados que nunca foram utilizados, quanto mais nova for a criança, e portanto, visados por fraudadores.
Não só as famílias e escolas devem contribuir para a garantia efetiva da privacidade de jovens e crianças, mas também as empresas têm papel fundamental em assegurar e proteger, na realização de suas atividades, a proteção de dados pessoais de crianças e adolescentes. Afinal, estamos falando da identidade digital dessas pessoas, algo pessoal e intransferível. Por isso, tanto o setor público quanto o privado devem garantir total transparência no uso desses dados, explicitando como, quando e para quê são utilizados os dados de crianças e adolescentes. Finalmente, devemos lembrar que estas pessoas devem poder revogar o consentimento ao uso dos seus dados quando forem maiores, e portanto devem ter garantidos também seu direito sobre a alteração e o expurgo desses dados. Afinal, o direito à privacidade é também o direito à identidade digital de cada um.
Yasodara Cordova, ativista de privacidade na Internet, é pesquisadora-chefe em Privacidade na Unico, empresa brasileira de identidade digital.
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