Este texto não se trata de convencimento, mas de um convite à análise. Quando se percebe uma crise econômica, graças ao economista Keynes no pós-crise de 1929, convencionou-se aceitar que é papel do Estado ajudar as grandes instituições – em sua maioria, grandes bancos – e injetar dinheiro aos montes para salvar a economia de piores acontecimentos. Nesse contexto, correntes neoliberais nem sequer questionam a incompetência da sua maior entidade, o mercado, em resolver uma crise econômica de maneira eficiente. Mas, quando o tema da privatização vem à tona, surgem também todos os argumentos de que só o mercado pode ser eficiente e o Estado deve ser mínimo.
A privatização dos Correios não é um assunto exatamente atual, mas, de tempos em tempos, principalmente em momentos de recessão, a sombra da privatização volta a cobrir as instituições, como se o mercado fosse o grande salvador da economia, já que o Estado é sempre grande, ineficiente e incompetente. Esquece-se do conceito de bens públicos, que são aqueles bens que, por não terem incentivos econômicos suficientes, acabam não sendo supridos pelo mercado e são uma oportunidade da atuação do governo, como, por exemplo, a educação pública e a defesa nacional.
Mas a realidade é muito mais complexa do que definições teóricas, e o caso da Empresa Brasileira de Correios, Telégrafos e Similares (ECT), conhecida popularmente como os Correios, assim como a Petrobras, são exemplos de que nada, em termos econômicos, deve ser classificado por vieses ideológicos e políticos, mas sim estudado caso a caso, os prós e contras e todos os incentivos aos agentes envolvidos no processo. Utilizar o argumento do sucesso da privatização da telefonia chega a ser uma comparação desonesta.
O argumento de que empresas monopolistas não podem ser benéficas só é válido para quem leu apenas as primeiras páginas do manual de economia.
Os Correios sob domínio estatal têm sido extremamente lucrativos. Segundo dados administrativos da empresa, a receita líquida de 2019 ultrapassou os R$ 18 bilhões, com lucro líquido de R$ 102 milhões em 2019 e R$ 1,5 bilhão em 2020. E a perspectiva, com o aumento da demanda devido às compras on-line, é muito positiva. Trata-se de uma empresa que se sustenta e que não depende de dinheiro público. Aliás, de 2002 a 2013, foi a União quem recebeu dividendos da empresa, até que uma onda de prejuízo a atingiu, de 2013 a 2016, o que animou os privatistas de plantão.
O argumento de que empresas monopolistas não podem ser benéficas só é válido para quem leu apenas as primeiras páginas do manual de economia. Existem muitos tons de cinza no que concerne aos custos do monopólio e processos de privatização. Mas, no caso dos Correios, apenas o serviço de cartas, previsto em Constituição, tem essa característica. Estamos falando de uma estrutura que é capaz de atender um país continental, que distribui em mais de 5,5 mil municípios e que serve de apoio para diversas políticas públicas como o Enem, entrega de materiais didáticos, vacinas, emissão de documentos e outros.
A privatização dos Correios, em última instância, significa dar acesso apenas a grandes municípios e capitais que possam pagar pelos serviços. Esses podem até estar disponíveis, mas seu custo inviabilizaria seu acesso. Portanto, trata-se da ampliação das desigualdades e exclusão das pessoas e lugares menos favorecidos. O filtro do incentivo movido pelo lucro é, sim, o motor responsável pelo aumento da produtividade no planeta. Mas esse mesmo filtro não foi capaz de garantir, junto a esse aumento de produtividade, direitos básicos das pessoas. O desmanche do Brasil segue em processo e o mínimo que podemos fazer é parar para pensar antes de tomar um lado.
Walcir Soares Junior (Dabliu), doutor em Desenvolvimento, é professor de Economia na Universidade Positivo.
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