Não há dúvida de que o tema "privati­­za­­ções" é sedutor e se presta a angariar vo­­tos. Mas o que se faz necessário é a de­­fi­­ni­­ção do que se está a dizer, qual o programa de governo que efetivamente se pretende realizar e se ele é viável

CARREGANDO :)

Já ao seu início, as eleições para governador e presidente tentam fazer renascer o debate a respeito da privatizacão (todos, ao que se infere, frontalmente contra). Mas resta saber o que os candidatos efetivamente pretendem significar com isso, sob pena de a discussão tornar-se oca, sem qualquer conteúdo prático. Mais do que isso: é necessário saber se eles têm a mínima ideia do que estão falando e das alternativas que efetivamente podem ser implementadas.

Ora, privatizar não significa apenas a transferência para a iniciativa privada, integral e definitiva, de determinados bens e serviços de propriedade do Estado. Essa é uma compreensão acanhada do termo. Se assim for entendida, excluídas estão as privatizações do transporte rodoviário e da telefonia (feitas por meio de contratos de concessão, todos com prazo certo). Na realidade, o verbo privatizar abrange leque muito mais amplo de eventos, que vão desde a efetiva transferência da propriedade (as privatizações materiais, como se deu, por exemplo, na Vale do Rio Doce) até as concessões e permissões de serviço público (transporte aeroviário e ferroviário), passando pelas chamadas "oxigenacões" do setor público com capital privado (Banco do Brasil e Petrobras – ambos com significativa participação de investidores privados). Assim, e a depender do que se pretenda dizer, "impedir a privatização" da Petrobras é uma tremenda bobagem: afinal de contas, ela nasceu regada pelo capital privado investidor.

Publicidade

Mas por que esta preocupação semântica? Porque a realidade é muito mais rica do que o conteúdo da palavra "privatizacão". Isso significa que os candidatos podem estar discursando ao vento. Podem estar comentendo erros reveladores de seu deconhecimento a respeito do que pode ser feito na economia pública. O que implica que determinados momentos do discurso eleitoral correm o risco de ser de pouca – ou nenhuma – consistência prática. Vejam-se dois exemplos paranaenses: a Copel e o Porto de Paranaguá.

A Copel é sociedade de economia mista, com ações comercializadas em bolsa (no Brasil e nos EUA). Produz e comercializa serviços de energia elétrica – estes de titularidade da União, não do estado do Paraná, nos termos do art. 21, inc. XII, letra "b", da Constituição do Brasil. Logo, o seu capital conta com a participação de investidores privados e os serviços que ela fornece são federais (não estaduais). Ela explora alguns serviços submetidos a privilégio legal ("monopólios") e outros tantos em regime de concorrência: basta pensar no mercado aberto de energia, nos produtores independentes e nas recentes licitações por ela vencidas em Mato Grosso e São Paulo. Permanece público apenas o poder de controle da Copel: é disso que os candidatos falam? Ou pretendem transformá-la numa empresa pública, comprando a participação acionária dos investidores privados?

Já o Porto de Paranaguá também é de titularidade da União (Constituição, art. 21, inc. XII, letra "f"). É administrado por autarquia estadual, que deve obedecer aos regulamentos de uma agência reguladora federal. Boa parte dele é explorada em regime de concessão e de arrendamento (empresários privados), além de ser submetido à concorrência com outros portos. Logo, do que se está a falar? Da rescisão dos contratos firmados com as pessoas privadas e respectiva indenização? Da proibição de transformar a autarquia estadual que o gerencia numa sociedade de economia mista? Ou da venda de algo – o porto – que não pertence ao estado do Paraná, mas à União?

Enfim, não há dúvida de que o tema "privatizações" é sedutor e se presta a angariar votos. Mas o que se faz necessário é a definição do que se está a dizer, qual o programa de governo que efetivamente se pretende realizar e se ele é viável. Afinal, em correspondência ao dever de votar, o eleitor tem o direito de ser tratado com respeito e informado com clareza de como os candidatos pretendem cumprir o mandato que lhes será outorgado.

Egon Bockmann Moreira, advogado, doutor em Direito, é professor da Faculdade de Direito da UFPR.

Publicidade