O ministro da Economia, Paulo Guedes, chegará ao fim do segundo ano de governo com um triste marco: a pasta ainda se contorce para colocar em prática um ambicioso plano de desestatização que previa, inicialmente, arrecadação de R$ 1 trilhão. Ainda que não falte capacidade técnica à equipe deste superministério, como foi chamado em sua criação, a privatização de empresas públicas esbarra, principalmente, em dois grandes problemas: uma classe política pouco coesa e funcionários preocupados em manter seus empregos.
Do lado de Guedes, no entanto, há dois aliados essenciais. O primeiro é o mercado, ou seja, os investidores que cobram ações concretas para alcançar maior equilíbrio nas finanças do Estado. O segundo é a imprensa, que, apesar de bastante crítica, de modo geral, ao governo Bolsonaro, consegue separar as coisas e acompanha a pauta econômica com a devida sobriedade. Fato é que o Ministério da Economia não esconde: se o governo não iniciar importantes reformas, poderemos estar perto de uma nova época de hiperinflação. E ninguém quer voltar àqueles tempos sombrios, que para os nascidos antes dos anos 90 dispensam explicação.
Acontece que a maioria das pessoas não entende a correlação entre a privatização das empresas públicas pouco eficientes e o derretimento da economia doméstica no país. Eu costumo dizer que, para compreender essa complicada equação, é preciso enxergar o Brasil como uma grande empresa na qual o governo é o sócio majoritário e, portanto, assume o cargo de diretor-executivo, e os investidores são centenas, talvez milhares de acionistas com fatias bem pequenas, que detêm ativos em moeda local, o real. Quando essa empresa começa a ir mal das pernas, ela pede autorização dos acionistas para contrair empréstimos, organizar a casa e voltar a dar lucros.
No entanto, o que aconteceu com o Brasil foi que o país nunca arrumou a casa. Pelo contrário, o país vem, há anos, contraindo uma dívida gigantesca. De junho de 2019 a junho de 2020, por exemplo, o déficit primário público ficou em R$ 458 bilhões, segundo o Tesouro Nacional. Isso equivale a mais de 6% do nosso PIB. Agora, imaginem o que aconteceria em uma empresa normal. A maioria dos acionistas iria querer se livrar daquelas ações (nossa moeda), vender e trocar por algum ativo melhor; com isso o valor de mercado despencaria drasticamente. Consequentemente, o real perderia o seu valor.
Pois é bem isso que está acontecendo com o Brasil. Os investidores locais e estrangeiros estão se livrando de seus investimentos aqui no país. Essa fuga de capitais torna a nossa moeda mais fraca, encarece o dólar e, tendo em vista que muitos dos nossos insumos são importados, isso vai encarecendo o custo de vida da população. Temos, então, o medo da tal hiperinflação, pois este efeito se torna uma bola de neve: as pessoas não confiam na economia, vendem reais por outras moedas, a importação fica mais cara, a inflação sobe, a desconfiança se alastra e o processo fica cíclico. Temos um exemplo vizinho, a Argentina, que tem passado por isso recentemente. E o que o Ministério da Economia pretende fazer para manter esses investidores mais calmos? Primeiramente, mostrar um sinal de confiança e seriedade. Isso só é possível se entrarmos no caminho do equilíbrio fiscal. E, como a pandemia intensificou a necessidade de injetar recursos nos programas sociais, as privatizações passam a ser emergenciais.
Mas, como já dito, este é um tema polêmico. Muitos estudiosos de vertente mais intervencionista criticam a estratégia do governo de entregar infraestruturas que levaram anos, e custaram bilhões de reais, nas mãos da iniciativa privada. O que carece dessas análises é apontar de que forma, então, estancar o prejuízo provocado por essas estatais.
Enquanto não há uma solução de longo prazo para trazer mais eficiência, a urgência do governo busca conceder para mãos mais hábeis a gestão dessas empresas públicas. Vejam bem que, aqui, não há certeza de que a concessão será um sucesso. Você pode ter ótimos exemplos, como o setor de telecomunicações no Brasil, que evoluiu muito a partir da abertura para a iniciativa privada. Ou pode ter também experiências traumáticas, como o setor de energia no Amapá, que resultou em um apagão ainda longe da normalização.
Acontece que, historicamente, e pelo menos em tese, a própria natureza de uma empresa privada busca mais eficiência. Isso porque um dos seus valores é a obstinação pelo lucro para seus acionistas ou investidores, o que não é a finalidade e nem a especialidade da administração pública. Aqui, este ponto opera em favor das empresas privadas. Situações de desperdício, profissionais ineficientes e cabides de emprego em cargos estratégicos tendem a ser mais raras.
Mas o que o governo poderia fazer para acelerar essas privatizações e dar um sinal positivo para nossos investidores? Para variar, capital político em nosso país custa caro e certamente exigirá concessões à classe política, principalmente por meio de mecanismos como as emendas parlamentares. Quanto aos empregados dessas empresas, que certamente se mobilizam muito bem para barrar as privatizações, é possível, sim, dialogar e ganhar o patrocínio de parte deles. Já existem experiências exitosas de programas de desligamento com a concessão de participações e opções da empresa vendida, de acordo com o cargo e tempo de casa do funcionário. A lógica seria: em vez de trabalhar para ganhar dinheiro naquela empresa ineficiente, faça o seu dinheiro trabalhar para você em uma organização que dá muito lucro. Certamente os olhos de muitos brilhariam com uma proposta dessas, principalmente aqueles que sabem que seriam certamente redundantes após uma desestatização.
Fato é que as privatizações precisam acontecer, seja por editais ou leilões e, fica a sugestão, pelo mercado de capitais. Acredito que, se elas passassem pela B3, com os mecanismos próprios da Comissão de Valores Monetários (CVM) para trazer lisura, isso chamará a atenção dos investidores, locais e estrangeiros, pois haverá mais oportunidades de diversificação no mercado brasileiro. Se isso acontecer, veremos o derretimento da bola de neve: aumento da demanda por reais, redução do custo das importações, queda na inflação e, por consequência, redução nas taxas de juros. Assim, um novo ciclo positivo começará. E a grande lição que nos ficará é: a roda da economia tem autonomia, para ir para a frente ou para trás, mas nós devemos direcioná-la corretamente.
Daniel Schnaideré CEO da Pointer By PowerFleet Brasil.
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