Ao assumir a nau desgovernada do Brasil com a promessa de alavancar as transformações necessárias, Michel Temer sinalizou, já na posse, sua disposição para enfrentar o edifício do atraso e promover alguma investida contra aquilo que pensadores liberais como Meira Penna e Ricardo Vélez Rodríguez vêm confrontando há décadas: nossa estrutura patrimonialista.
Tamanha disposição tem encontrado duas importantes dificuldades. A primeira é a conexão de figuras ligadas ao governo com os escândalos denunciados pela Operação Lava Jato, problema que pesa sobre o próprio nome do presidente e alimenta a turbulência política. A segunda, o fato de que a força que assumiu as rédeas da missão é, ela própria, das mais representativas dos ranços que se diz propensa a combater. Ambas se resumem a uma só: a falta de afinidade entre a bandeira levantada e o grupo que a desfralda, o PMDB, que nada tem a ver com ela, nem do ponto de vista histórico, nem do ponto de vista dos seus agentes contemporâneos.
Não há afinidade entre a bandeira levantada, a das privatizações, e o grupo que a desfralda, o PMDB
É nesse contexto que se insere, após a proposta de “desestatização” da Eletrobras, o pacote de 57 privatizações defendido pelo governo federal, englobando a Casa da Moeda, rodovias, terminais portuários, linhas de transmissão e aeroportos. Apesar de Temer adotar uma retórica de viés liberal, asseverando que o objetivo é “criar empregos, gerar renda e oferecer um serviço de melhor qualidade”, o que não deixa de ser uma verdade prática, efeito natural e desejável do enxugamento da máquina do Estado brasileiro, é mais do que claro que não é uma profunda convicção que o move a tomar essa atitude.
Fosse esse o móvel, e não teria sido peça integrante do sistema estruturado em torno do projeto de poder do PT por tanto tempo; o que move Temer, como sempre costumou mover as transformações no país, tais como as efetivadas pelo Plano Real durante o ciclo tucano, é o frio peso imediato dos números, isto é, o imenso problema orçamentário com que precisa lidar. Tampouco algum compromisso de princípios privatistas move os aliados, do próprio partido ou de todos os outros com que precisa negociar.
Privatizar sem apoio popular? As privatizações e as urnas (artigo de Eric Gil Dantas, mestre em Ciência Política)
O desafio é que a firmeza e a capacidade de articulação desse governo – que, frise-se, é o que temos para hoje – consigam triunfar, mais do que sobre a histeria convencional de sindicatos e esquerdistas de passeata, sobre os interesses dos líderes partidários em seus autênticos feudos nos ativos a serem privatizados. O PTB de Roberto Jefferson, por exemplo, que vinha defendendo a redução do Estado, inclusive em suas propagandas televisivas, manifesta-se em queixumes diante da proposta de Temer, alegando que – vejam a novidade! – há “setores estratégicos” que não podem ser privatizados. Resta saber para quem são estratégicos, já que os petebistas comandam a Casa da Moeda desde os tempos de Lula e Dilma. O que é “estratégico” é a manutenção de apadrinhados, cargos e ingerência política!
O pacote, a bem da verdade, é grande apenas na aparência, mas pouco substancial, se comparado ao montante nas mãos do Estado empresário. Condenados a celebrar o medíocre, reconhecemos que é melhor do que nada, especialmente se for um bom começo. Resta torcer para que a pequenez de nossos homens públicos e a falta de uma visão ampla a respaldá-lo não o abortem.