Diante de acontecimentos recentes e relevantes em âmbito nacional, como a tragédia da barragem de Brumadinho, diversos artigos foram publicados nos últimos dias, perpassando o tema compliance, em sua maioria, descrevendo este conceito (ou a falta dele), como sendo o grande culpado por essas situações que emergem.
Infelizmente, nas ondas corporativas que caracterizam nosso país e tantos outros, alguns profissionais continuam insistindo que a palavrinha compliance é a solução mágica para todos os males corporativos, e tentam fazer dele um produto de prateleira que possa ser vendido, tipo one fits all, como um simplificador das complexas questões das modernas organizações.
Faz-se necessário entender que compliance, antes de mais nada, é uma atitude, no sentido de se colocar em conformidade com as regras de toda a espécie normativa, traçando uma estratégia para que a organização se mantenha razoavelmente aderente, evitando riscos de sanções ou de exposição negativa da marca, sendo um tipo específico de gestão de risco regulatório, e que no senso comum hoje é objeto de grande confusão conceitual, inclusive por associar este a questões puramente morais.
É mais comum do que se imagina que corporações apenas aparentem ter um efetivo processo de governança
Esclarecemos que para que exista uma efetiva governança, antes de mais nada, é necessário o comprometimento irrestrito com determinados valores por todos dentro da organização, e também com as chamadas boas práticas, para que possa existir um efetivo gerenciamento de riscos, um eficaz sistema de controles internos e um processo de compliance integrado a cultura corporativa, na garantia do atingimento dos objetivos, de forma sustentável, ou seja, ao longo do tempo.
Cabe acrescentar ainda que este artigo não tem como objetivo, e nem poderia ter, de determinar os motivos causadores do desastre de Minas Gerais, mas sim, permitir uma reflexão mais apurada de como um processo de gestão e seus desafios pode permitir a ocorrências de eventos negativos, em qualquer organização, alguns com consequências irrelevantes e outras, verdadeiras catástrofes.
É mais comum do que se imagina que corporações apenas aparentem ter um efetivo processo de governança, por vezes com caríssimas estruturas, mas sem nenhuma efetividade, existindo apenas para cumprir com requisitos legais ou normativos internos, inchados nos escritórios, mas pouco efetivos na prática.
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O mesmo pode acontecer com uma das pernas dessa governança, o programa de compliance, que tem a sua valia na medida em que estiver agregando valor a organização, demandando o comprometimento e a atitude da gestão e do corpo de colaboradores, em cumprir com o que é determinado, ainda que seja pelo receio de ser sancionado ou então, ser vítima de um escândalo.
Nesse sentido, têm-se que a governança corporativa é o grande guarda-chuva que envolve a organização, direcionando-a, no mundo real, para alcançar seus objetivos. Como suporte a governança e aos gestores, estão os setores e atores que cuidam da gestão de riscos, do compliance e dos controles internos, atividades estas, que instrumentalizam e organizam a gestão dos recursos humanos, financeiros, tecnológicos e materiais de forma otimizada, levando em consideração as ameaças e oportunidades do negócio e dos ambientes, de forma aderente às normas.
Simplificar as questões pela via do conceito de compliance pode ser uma armadilha, deixando de enxergar a gestão como algo complexo, imerso no ambiente, e que perpassa formuletas ou meros moralismos.
Enquanto as organizações não tratarem o processo de governança com o devido respeito – as melhores práticas de gestão, com zelo profissional e com decisões baseados nos valores éticos, sopesado por mecanismos de accountability que forcem a prestação de contas de seus deveres diante das partes interessadas, e possibilitem sanções diante das desconformidades –, tudo que se tratar sobre governança, incluindo compliance, será descontextualizado da realidade, o local de onde vêm os problemas.