As micro e pequenas empresas têm, sob ponto de vista formal, direito a um regime diferenciado. O constituinte incluiu, entre os diversos princípios da ordem econômica, o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte e, portanto, é dever do legislador editar leis que concretizem o comando constitucional.
Esta proteção se justifica pela presença preponderante das micro e pequenas empresas, e pela capacidade de geração de empregos e renda (este grupo representa 98,5% das empresas privadas constituídas no Brasil, é responsável por 54% do total de empregos formais e por 27% do PIB).
A Lei Geral da Micro e Pequena Empresa trouxe avanços importantes na seara tributária, com o Simples Nacional, também no campo de apoio à inovação, por meio do Inova Simples, e pela simplificação de regras societárias e relativas às obrigações contábeis. No entanto, apesar da adjetivação, a tutela das empresas de pequeno porte não tem nada de simples. Um dos pontos mais complexos é a criação de um regime adequado para lidar com a crise econômico-financeira e aumentar a taxa de sobrevivência.
Isso porque as micro e pequenas empresas permeiam todos os campos da atividade econômica e têm características distintas entre si (atividades de prestação de serviço e de comércio, agrícola e industrial). Com frequência, a crise empresarial compromete também as finanças de seus sócios – pessoas naturais, em sua maioria – e da entidade familiar dos donos. O tratamento da crise da empresa de pequeno porte não pode ignorar essas particularidades.
A pandemia frustrou milhares de negócios, atingindo com maior intensidade as micro e pequenas empresas. Em 2020, houve um represamento no número de falências e recuperações judiciais explicado pelas incertezas sobre a extensão da pandemia, expectativas de auxílios e subsídios governamentais, mas também pela promessa de reforma da Lei 11.101/2005.
A reforma da Lei de Recuperação de Empresas e Falência trouxe algumas boas notícias para as empresas de pequeno porte e o primeiro trimestre do ano aponta para um crescimento acentuado no número de pedidos de insolvência, sobretudo de recuperação judicial de micro e pequenas empresas.
Destaco as medidas que podem desjudicializar, acelerar a tramitação e reduzir o custo do processo de soerguimento. A reforma apostou na conciliação e na mediação como vias adequadas para renegociação do passivo, franqueando ao devedor a estrutura especializada dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) e a propositura destes meios autocompositivos de maneira antecedente à recuperação judicial; como contrapartida, o magistrado pode ordenar a suspensão de cobranças individuais para que a empresa tenha um fôlego, enquanto negocia com os seus credores.
Também foi autorizada a substituição da Assembleia Geral de Credores (AGC) por termo de adesão dos credores ou qualquer mecanismo considerado seguro pelo magistrado. Esta mudança é ideal para as recuperações judiciais com poucos credores e torna o trâmite – sobretudo a etapa de deliberação do plano – mais rápido e barato.
A terceira alteração que merece destaque é o aprimoramento da recuperação extrajudicial, com a redução do quórum de aprovação, possibilidade de inclusão dos créditos trabalhistas e maior clareza sobre a aplicação do stay – suspensão das cobranças individuais – também no procedimento extrajudicial. O Judiciário não tem condições de solucionar as crises com a mesma velocidade com que elas arrebatam as atividades empresariais; é preciso investir mais no procedimento expedito da recuperação extrajudicial.
De outra parte, mas igualmente importante, precisamos incentivar o uso da (auto)falência como instrumento de encerramento regular de atividades irrecuperáveis. O risco é inerente ao mercado e o empresário que tem a coragem de empreender tem o direito de falir, para recomeçar. A reforma avançou um pouco neste caminho, com previsões que antecipam o término do processo de falência e dão celeridade à alienação de bens.
As alterações referidas apenas tangenciam a crise das micro e pequenas empresas; contudo, o regime geral da recuperação judicial continua inadequado para este segmento e o plano especial, desenhado em tese para a micro e pequena empresa – e não alterado na reforma –, falha ao oferecer uma solução única e engessada. Sob o rótulo “pequenas empresas” encontramos um universo de atividades empresariais, cada qual com origens e necessidades distintas para as suas crises.
A dificuldade para tratar da insolvência de micro e pequenas empresas é também sentida fora do Brasil; no entanto, a doutrina estrangeira, com respaldo de organizações internacionais (a exemplo da Uncitral), propõe regras flexíveis e uma abordagem modular, capaz de se ajustar às diferentes particularidades destes empreendimentos.
Até aqui o legislador foi insensível às aflições dos pequenos empresários. O Projeto de Lei Complementar 33/2020 pode ser uma saída, desde que o seu texto seja debatido com a seriedade e a urgência que a situação das micro e pequenas empresas exige.
Sabrina Maria Fadel Becue é advogada e doutora em Direito.
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