No momento em que a Gazeta do Povo disponibiliza um teste para que os leitores descubram o seu perfil ideológico, eu quero fazer uma reflexão sobre os motivos e formas pelos quais a nossa sociedade está dividida. Primeiramente, é um erro classificar os indivíduos em progressistas ou conservadores, afinal, estas características são comuns a todos os indivíduos. Todo mundo tem coisas que quer preservar e coisas que deseja ver modificadas. O uso de um rótulo para definir o comportamento ideológico das pessoas ocasiona a criação de estereótipos que não correspondem ao que elas de fato são, além de, muitas vezes, contrariar o verdadeiro sentido das palavras.
Vou usar o meu caso como exemplo. Sou engenheiro, e, como tal, fascinado por tudo o que represente progresso ou inovação. De longa data aposentei o DVD e não me imagino dirigindo um carro com câmbio manual. Simplesmente, não sei como possa um engenheiro não ser “progressista”. Por outro lado, não tenho nenhum apego a tradições, preservação de coisas antigas ou ritos cerimoniais, o que me afasta em absoluto de ser um “conservador”.
Uma das maiores aberrações já produzidas pelo trabalho de demonização da esquerda foi a de classificar o nazismo como sendo um movimento antagônico ao comunismo.
Entretanto, quando se trata de escolher um candidato ou partido político, vou sempre optar por aquele que não esteja ligado à corrupção. Além disso, acho que a polícia e a justiça devem perseguir os maus elementos da nossa sociedade, uma vez que estas instituições foram criadas para este fim. Também acho que a imprensa deveria ter obsessão pelos fatos e a ciência pela verdade.
E, para completar, fiquei contente de saber que os argentinos abriram mão de conservar uma política desastrosa, que estava arruinando sua economia, para apostar em algo que possa lhes trazer progresso. Ou seja, me parece que o rótulo mais adequado para me definir seria o de “progressista”, afinal, as únicas coisas que eu gosto de preservar são aquelas que asseguram o progresso de uma nação.
A divisão ideológica da população entre “direita” e “esquerda” também é perversa. Comumente, a direita é associada às pessoas que se conformam com a realidade do mundo; enquanto que a esquerda é atrelada às pessoas que enxergam as injustiças e as diferenças entre os indivíduos, e querem corrigi-las a todo custo. Nada mais enganoso.
É curioso que a militância para criar um mundo melhor sempre defende o uso de meios que levam a um resultado contrário àquele que alega ser seu objetivo.
Ocorre que foi exatamente a esquerda que trabalhou para criar esta divisão ideológica e, logicamente, escolheu os termos mais bonitos para denominar sua militância, muitas vezes invertendo o sentido das palavras. Vale lembrar que nos EUA os esquerdistas se denominam “liberals”, gerando inclusive problemas de tradução. Chega a ser irônico que uma militância que pretende tornar o indivíduo dependente do Estado se defina desta forma.
Com o advento da Internet, as informações passaram a circular diretamente entre as pessoas, livrando-as de precisar da grande mídia para se informar. Isso foi muito bom, porque expôs o viés e até mesmo a desonestidade de muitos veículos. Por outro lado, com as redes sociais, que conseguem identificar o viés ideológico de seus usuários, acirrou o surgimento de bolhas, onde só circula certo tipo de informação e ideias. O desconhecimento ou desprezo pelo que circula na outra bolha está tornando as pessoas deselegantes, para não dizer agressivas.
Basta um simples comentário em uma rede social que permita identificar a qual bolha o sujeito pertence, e lá vem grosserias do pessoal da bolha oposta. A grande mídia, para não ficar atrás, passou a classificar qualquer pessoa que se identifique com a direita como sendo “extremista de direita” ou “ultradireitista”, enquanto que no espectro da esquerda este tipo de radicalismo simplesmente deixou de existir. O sujeito pode ser um terrorista, que ainda assim terá seu comportamento definido como moderado.
É curioso que a militância para criar um mundo melhor sempre defende o uso de meios que levam a um resultado contrário àquele que alega ser seu objetivo. Assim, por exemplo, a liberação do uso de drogas, defendida pela esquerda, não pode resultar em diminuição do problema, pois é fácil ver que o consumo de drogas será incrementado pela maior disponibilidade delas; o desencarceramento não diminuirá a criminalidade, mas terá um efeito contrário; o assistencialismo do Estado também não diminuirá a pobreza, ao contrário, tornará o pobre ainda mais dependente do estado. Qualquer cidadão comum, que não tenha sofrido algum tipo de lavagem cerebral, percebe isso facilmente. É a partir desta percepção que ele passa a se contrapor a toda esta loucura ditada pela esquerda e acaba caindo na armadilha que lhe foi preparada: ele se assume um cara “de direita” – termo demonizado pela esquerda.
Direta e esquerda são palavras vazias de significado, sobretudo quando sentimentos complexos estão em jogo.
Desde cedo as crianças aprendem que a esquerda é a ideologia que defende os pobres, enquanto que a direita é a que quer aumentar as diferenças sociais. Esta falácia é propagada especialmente entre as crianças que não têm conhecimento do que sejam “os pobres”, pois o modelo de educação atual impede que haja interação entre crianças de camadas sociais distintas. Por outro lado, a camada realmente pobre da nossa população sabe que o Estado jamais terá capacidade para tirá-la da pobreza, e que qualquer chance de ascensão social dependerá exclusivamente de seu próprio esforço. Tal situação provoca um bug na cabeça dos militantes esquerdistas, que não entendem como pode a grande maioria da população pobre ser “de direita”.
Uma das maiores aberrações já produzidas pelo trabalho de demonização da esquerda foi a de classificar o nazismo como sendo um movimento antagônico ao comunismo. O nazismo tem o mesmo teor revolucionário que o comunismo e não faz nenhum sentido classificar estes movimentos como apostos. As escolas brasileiras pouco ensinam sobre estes regimes igualmente execráveis, criando um terreno fértil para que professores medíocres glamorizem o comunismo com narrativas mentirosas. Como resultado da ignorância em relação à semelhança destes dois regimes, a esquerda aproveita para jogar o nazismo no colo da direita – como se o comunismo fosse muito diferente.
Ambos são regimes ditatoriais, mantidos por um grande aparato militar e com ênfase no culto à personalidade. Em ambos os regimes existe uma brutal influência do Estado na vida das pessoas. Em ambos ocorreram infindáveis casos de tortura e de execuções em massa. Os campos de concentração, tão famosos no regime nazista, são apenas uma cópia dos gulags soviéticos. O fato do nazismo não usar a cartilha de Marx é muito pouco para desconsiderar a enorme semelhança destes dois regimes, quanto mais considerá-los contrários um ao outro. E para completar, a característica mais notável do nazismo é o antissemitismo. Essa característica sempre esteve presente na esquerda e se intensificou após os recentes ataques covardes do Hamas. Outra associação bastante comum, e sempre presente nos xingamentos da esquerda, é o termo “fascista”, que remete a um regime cujo ponto principal era a defesa de um Estado todo-poderoso – precisamente o que quer a esquerda.
Não gosto de me apresentar como um cara “de direita”. Primeiramente, pelo reducionismo implícito neste termo. E, depois, porque direta e esquerda são palavras vazias de significado, sobretudo quando sentimentos complexos estão em jogo: defesa da liberdade, direitos individuais, luta por democracia, representatividade, direito de credo, defesa da vida, liberdade de expressão, etc.
O que torna esta classificação ainda mais temerosa é que ela foi construída por aqueles que almejavam a divisão da sociedade. A maioria das pessoas que se definem “de direita” o fazem por não concordar com os absurdos defendidos pela esquerda,mas nem sempre por seguir alguma linha ideológica. De forma geral, são pessoas comuns, que não sofreram nenhum processo coletivista de lavagem cerebral e preservaram a capacidade de pensar com a própria cabeça. Enfim, são pessoas sensatas, que não se deixaram contaminar com a insanidade do mundo em que estamos vivendo.
José Roberto Gimenez é engenheiro e doutor pela Unicamp.
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