No mês passado veio a público um documento intitulado Projeto de Nação: o Brasil em 2035, o qual foi elaborado por militares e civis que fazem parte dos Institutos Sagres, General Villas Bôas e Federalista. Na parte inicial relativa à apresentação, seus autores dizem que se trata de uma Estratégia Nacional, de uma Grande Estratégia, de uma Política Nacional, de um Plano de Estado.
Após sua divulgação, apareceram algumas manifestações nos meios de comunicação dizendo que o documento seria “um delírio da extrema direita militar”, “um desejo dos militares de se manterem no poder”, “contraria valores que norteiam a Constituição”, uma “pretensão de criar um centro de governo autônomo e paralelo à presidência da República”, ou ainda que o documento “se alinha ao liberalismo que é avesso a qualquer projeto de nação”.
A maioria das manifestações divulgadas, embora pertinentes, foram expostas de maneira muito breve, sem o aprofundamento necessário para uma crítica fundamentada, aclaradora e colaborante para a formação da opinião pública. E, apesar da legitimidade das contestações, é conveniente notar a qualificação dos autores do projeto, os esforços que empreenderam e a oferta de uma proposta que supre a carência de planos destinados a nortear os rumos do país.
Observe-se que um dos apontamentos mais atinentes se refere à intenção dos fardados de estarem ativamente presentes em qualquer governo que vença as eleições. Vale lembrar que este querer confirma, de modo claro, a recorrente postura política dos militares evidenciada no decorrer da história, a qual contraria as repetidas afirmações emitidas tanto por eles quanto pelos paisanos de que são indivíduos apolíticos e que esse aspecto apolítico é imprescindível para o adequado funcionamento das Forças Armadas.
Além desse ponto, há outros também relevantes. Veja-se que no projeto encontra-se declarado que a metodologia empregada objetiva visualizar as “diferentes possibilidades de como o tema poderá se comportar num determinado horizonte temporal, aqui definido como sendo 2035”, ou seja, trata-se de uma elaboração de cenários prospectivos, de uma história do futuro. Assim sendo, é viável afirmar que o referencial analítico é próprio da Modernidade.
Uma das peculiaridades essenciais da Modernidade é a presença do determinismo sustentador do princípio da previsibilidade, o qual assevera que todo estado presente está contido em estados passados e contém os estados futuros. Porém, existem eminentes intelectuais que declararam o fim do período moderno e em seu lugar colocaram uma nova época denominada Pós-modernidade. Nela quem predomina é o indeterminismo, a aleatoriedade, ou seja, a concepção negadora da causalidade linear que garante o ato de prever. É notório, portanto, que os militares ainda supõem estarem inseridos numa era moderna e raciocinam utilizando as ferramentas oferecidas pela Modernidade.
Outrossim, a opção neoliberal é explícita no texto. Várias expressões empregadas a confirmam, como “ranking global de competitividade”, “reformas na área tributária, trabalhista e judicial”, cobrança nas universidades de mensalidades/anualidades, “reduzir gastos públicos”, “liberdade econômica”, “baixa produtividade da gestão pública”, “excesso de proteção regulatória”, dentre outras. Vale ressaltar que o neoliberalismo se encontra num estágio de decadência que começou em 2008 com a especulação imobiliária nos Estados Unidos, a qual levou o governo a ajudar o setor bancário com centenas de bilhões de dólares e conduziu os bancos centrais ao redor do mundo a injetar liquidez nos mercados.
O declínio continua avançando rumo ao seu ocaso em decorrência da pandemia e da guerra da Ucrânia, que está exigindo cada vez mais intervenção do Estado na economia. Observe-se que o presidente norte-americano Joe Biden já apresentou uma proposta trilionária e na Europa emergiu o fundo Next Generation EU. Uma ideologia pós-neoliberal emergente se encontra guiando governantes em diversas nações do mundo. Ela prevê a reorganização da economia, a imputação do papel de agente orientador da sociedade para o Estado, a transposição da retórica do livre mercado e o resgate do público sobre o privado.
É notória também, no Projeto de Nação, a assunção de um posicionamento contra o globalismo. Segundo os autores do documento, “globalismo é um movimento internacionalista, cujo objetivo é massificar a humanidade, progressivamente, para dominá-la. Procura interferir nas decisões dos governos brasileiros, ameaçando interesses importantes”. Para combatê-lo seria necessário “fortalecer o espírito cívico, patriótico e os valores morais e éticos da sociedade, com vistas a recuperar a coesão social”.
Esta posição parece indicar a adesão a uma questionável teoria conspiratória. Com efeito, o entendimento majoritário indica que a globalização, de cunho neoliberal, essencialmente, diz respeito ao incessante movimento do capital especulativo pelo mundo, sua crescente acumulação e a internacionalização da produção e do comércio. Constitui, portanto, o modo atual de manifestação do capitalismo em sua evolução no decorrer do tempo. Apesar de ter sido afetada pela guerra na Ucrânia ela continua bastante vigorosa e resistente. Quanto à sugestão para combatê-la, vale lembrar que é extremamente difícil desenvolver o civismo e o patriotismo porque a globalização tende a abalar o funcionamento dos Estados Nacionais, o que favorece a precarização dos direitos de cidadania. Ademais, o individualismo decorrente da vigência de um suposto estágio pós-moderno e da presença do neoliberalismo inclina-se a levar as pessoas a se preocuparem apenas com seus interesses imediatos.
Pelo exposto, é possível inferir que o Projeto de Nação: o Brasil em 2035 mostra que os fardados inventaram uma nova maneira de se manterem ativos na política. Revela também que, ao apresentarem uma proposta tipicamente moderna, desconsideraram a possível existência da pós-modernidade que a põe em xeque. Decidiram se inclinar para o lado do neoliberalismo que se encontra num estágio de depauperamento e optaram por atacar o avanço da globalização, vista por eles como uma ocorrência eivada de intrigas e não como uma manifestação progressiva do capitalismo.
Assim sendo parece viável dizer que os fundamentos do projeto parecem não resistir a julgamentos baseados em saberes consagrados e harmônicos aos fatos da dinâmica realidade circundante.
Antônio Carlos Will Ludwig é professor aposentado da Academia da Força Aérea, pós-doutor em Educação, e autor dos livros Democracia e Ensino Militar e A Reforma do Ensino Médio e a Formação Para a Cidadania.
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