Imagem ilustrativa.| Foto: Foto: Lula Marques
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No mês passado veio a público um documento intitulado Projeto de Nação: o Brasil em 2035, o qual foi elaborado por militares e civis que fazem parte dos Institutos Sagres, General Villas Bôas e Federalista. Na parte inicial relativa à apresentação, seus autores dizem que se trata de uma Estratégia Nacional, de uma Grande Estratégia, de uma Política Nacional, de um Plano de Estado.

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Após sua divulgação, apareceram algumas manifestações nos meios de comunicação dizendo que o documento seria “um delírio da extrema direita militar”, “um desejo dos militares de se manterem no poder”, “contraria valores que norteiam a Constituição”, uma “pretensão de criar um centro de governo autônomo e paralelo à presidência da República”, ou ainda que o documento “se alinha ao liberalismo que é avesso a qualquer projeto de nação”.

A maioria das manifestações divulgadas, embora pertinentes, foram expostas de maneira muito breve, sem o aprofundamento necessário para uma crítica fundamentada, aclaradora e colaborante para a formação da opinião pública. E, apesar da legitimidade das contestações, é conveniente notar a qualificação dos autores do projeto, os esforços que empreenderam e a oferta de uma proposta que supre a carência de planos destinados a nortear os rumos do país.

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Observe-se que um dos apontamentos mais atinentes se refere à intenção dos fardados de estarem ativamente presentes em qualquer governo que vença as eleições. Vale lembrar que este querer confirma, de modo claro, a recorrente postura política dos militares evidenciada no decorrer da história, a qual contraria as repetidas afirmações emitidas tanto por eles quanto pelos paisanos de que são indivíduos apolíticos e que esse aspecto apolítico é imprescindível para o adequado funcionamento das Forças Armadas.

Além desse ponto, há outros também relevantes. Veja-se que no projeto encontra-se declarado que a metodologia empregada objetiva visualizar as “diferentes possibilidades de como o tema poderá se comportar num determinado horizonte temporal, aqui definido como sendo 2035”, ou seja, trata-se de uma elaboração de cenários prospectivos, de uma história do futuro. Assim sendo, é viável afirmar que o referencial analítico é próprio da Modernidade.

Uma das peculiaridades essenciais da Modernidade é a presença do determinismo sustentador do princípio da previsibilidade, o qual assevera que todo estado presente está contido em estados passados e contém os estados futuros. Porém, existem eminentes intelectuais que declararam o fim do período moderno e em seu lugar colocaram uma nova época denominada Pós-modernidade. Nela quem predomina é o indeterminismo, a aleatoriedade, ou seja, a concepção negadora da causalidade linear que garante o ato de prever. É notório, portanto, que os militares ainda supõem estarem inseridos numa era moderna e raciocinam utilizando as ferramentas oferecidas pela Modernidade.

Outrossim, a opção neoliberal é explícita no texto. Várias expressões empregadas a confirmam, como “ranking global de competitividade”, “reformas na área tributária, trabalhista e judicial”, cobrança nas universidades de mensalidades/anualidades, “reduzir gastos públicos”, “liberdade econômica”, “baixa produtividade da gestão pública”, “excesso de proteção regulatória”, dentre outras. Vale ressaltar que o neoliberalismo se encontra num estágio de decadência que começou em 2008 com a especulação imobiliária nos Estados Unidos, a qual levou o governo a ajudar o setor bancário com centenas de bilhões de dólares e conduziu os bancos centrais ao redor do mundo a injetar liquidez nos mercados.

O declínio continua avançando rumo ao seu ocaso em decorrência da pandemia e da guerra da Ucrânia, que está exigindo cada vez mais intervenção do Estado na economia. Observe-se que o presidente norte-americano Joe Biden já apresentou uma proposta trilionária e na Europa emergiu o fundo Next Generation EU. Uma ideologia pós-neoliberal emergente se encontra guiando governantes em diversas nações do mundo. Ela prevê a reorganização da economia, a imputação do papel de agente orientador da sociedade para o Estado, a transposição da retórica do livre mercado e o resgate do público sobre o privado.

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É notória também, no Projeto de Nação, a assunção de um posicionamento contra o globalismo. Segundo os autores do documento, “globalismo é um movimento internacionalista, cujo objetivo é massificar a humanidade, progressivamente, para dominá-la. Procura interferir nas decisões dos governos brasileiros, ameaçando interesses importantes”.  Para combatê-lo seria necessário “fortalecer o espírito cívico, patriótico e os valores morais e éticos da sociedade, com vistas a recuperar a coesão social”.

Esta posição parece indicar a adesão a uma questionável teoria conspiratória. Com efeito, o entendimento majoritário indica que a globalização, de cunho neoliberal, essencialmente, diz respeito ao incessante movimento do capital especulativo pelo mundo, sua crescente acumulação e a internacionalização da produção e do comércio. Constitui, portanto, o modo atual de manifestação do capitalismo em sua evolução no decorrer do tempo. Apesar de ter sido afetada pela guerra na Ucrânia ela continua bastante vigorosa e resistente. Quanto à sugestão para combatê-la, vale lembrar que é extremamente difícil desenvolver o civismo e o patriotismo porque a globalização tende a abalar o funcionamento dos Estados Nacionais, o que favorece a precarização dos direitos de cidadania. Ademais, o individualismo decorrente da vigência de um suposto estágio pós-moderno e da presença do neoliberalismo inclina-se a levar as pessoas a se preocuparem apenas com seus interesses imediatos.

Pelo exposto, é possível inferir que o Projeto de Nação: o Brasil em 2035 mostra que os fardados inventaram uma nova maneira de se manterem ativos na política. Revela também que, ao apresentarem uma proposta tipicamente moderna, desconsideraram a possível existência da pós-modernidade que a põe em xeque. Decidiram se inclinar para o lado do neoliberalismo que se encontra num estágio de depauperamento e optaram por atacar o avanço da globalização, vista por eles como uma ocorrência eivada de intrigas e não como uma manifestação progressiva do capitalismo.

Assim sendo parece viável dizer que os fundamentos do projeto parecem não resistir a julgamentos baseados em saberes consagrados e harmônicos aos fatos da dinâmica realidade circundante.

Antônio Carlos Will Ludwig é professor aposentado da Academia da Força Aérea, pós-doutor em Educação, e autor dos livros Democracia e Ensino Militar e A Reforma do Ensino Médio e a Formação Para a Cidadania.

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