Com apenas uma hora de depoimento numa delegacia no Brooklyn nova-iorquino, atraiu o FBI americano, desmontou a Fifa, enfiou no xilindró suíço quase uma dezena de cartolas da periferia futebolística mundial, no meio da qual se exibia impune e lampeiro uma estrela de primeira grandeza: o ex-governador do maior e mais rico estado brasileiro, ex-presidente da CBF e agora seu vice, José Maria Marin. Seis dias depois, o terremoto destronou o indestronável imperador do futebol, Joseph “Sepp” Blatter.

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O segredo que tornou a sucursal brasileira da Fifa invencível e inexpugnável é exatamente a promiscuidade

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O autor desta formidável façanha não é cartola, não é político, não se escondia na sombra: jornalista esportivo no interior de São Paulo (São José do Rio Preto) ralou, ralou, ralou, subiu, subiu, subiu, criou uma empresa de marketing esportivo com o sugestivo nome de Traffic, traficou favores,intermediou negócios de milhões, converteu-se em baronete da mídia interiorana e com o aval do Congresso e do governo obteve em 2003 uma rica concessão de televisão (TV Tem, afiliada da prestigiosa Rede Globo). Segunda a Folha de S. Paulo desta sexta, a emissora atende 318 municípios no rico interior paulista.

J. (de José) Hawilla – Jotinha para os íntimos –“colabora” com o FBI desde o final de 2013. Réu confesso, um ano depois, acertava com as autoridades judiciais americanas o pagamento de uma multa de 151 milhões de dólares.

Quando a direção da entidade suíça passou a exigir dos países-sede das Copas do Mundo estádios, equipamentos e serviços urbanos de altíssima qualidade estabeleceu-se o padrão Fifa. O megaescândalo agora revelado tem exatamente este extravagante e formidável padrão e só começou a ser desmontado graças a uma casualidade: além da mansão de 15 mil metros quadrados em Rio Preto, o exigente Jotinha reside numa propriedade avaliada em oito milhões de dólares na exclusiva Sunset Island, Miami, Flórida, Estados Unidos da América do Norte – paisinho onde há 241 anos as promiscuidades, por mais extensas e sólidas que sejam, costumam ser atalhadas pelas autoridades.

O segredo que tornou a sucursal brasileira da Fifa invencível e inexpugnável é exatamente a promiscuidade. Convivência espúria, conivência despudorada, a CBF é uma traficante de vantagens e privilégios. Embora conste no artigo 1.º dos Estatutos que “goza de peculiar autonomia não estando sujeita a qualquer ingerência estatal”, a CBF tem efetivamente mais poder do que o Ministério dos Esportes. Entidade de direito privado, suas veladas conexões com o Judiciário e o Legislativo a colocam acima do bem e do mal, imune a CPI’s e investigações do Ministério Público.

Blindagem decisiva para garantir sua imunidade, impunidade e sobrevida são os laços que a CBF mantém com a mídia, especializada ou não. A fulgurante carreira do Jotinha Hawilla é paradigmática: em apenas 36 anos o indomável profissional demitido por participar de uma greve delirante que tanto prejudicou a categoria, acerta com a Justiça americana o pagamento de uma multa de quase R$ 500 milhões.

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Por mais animado que esteja o Congresso neste momento dificilmente conseguirá identificar, enquadrar e desmontar a promiscuidade que intoxica a mais importante instituição da vida nacional – quase uma religião – o futebol. Para recuperá-la, desintoxicá-la e injetar um pouco de otimismo será indispensável o empenho de outra lendária instituição que carece de façanhas para tirá-la de uma de suas maiores crises: a mídia.

Alberto Dines é jornalista.