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 | Hugo Harada/Gazeta do Povo
| Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo

De todas as palavras para sistemas políticos, a plutocracia parece ser a única que não representa uma ideologia ou um sistema claro de governo: o reino em que o dinheiro manda, em que é todo o poder advém de quem mais possuir.

O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, legou ao país uma nova jabuticaba política, ao descrever uma “propinocracia” instalada pelo PT. Não se trata apenas de um mecanismo de enriquecimento ilícito: como o nome indica, é antes o sistema político oficial do Brasil sob a batuta petista. A palavra grega kratos indica o poder político, a força por vezes física do Estado.

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O poder do Brasil, malgrado aqueles que adoram repetir “democracia” para descrever qualquer coisa, mantém uma aparência externa de representatividade livre, mas sua razão social é a propina. É ela que dá poder, não a urna: a propina compra a urna, e é o que azeda o discurso de “respeito à democracia” corrente.

A palavra chamou a atenção, e corre o risco de ficar no vocabulário político corrente. É o perigo maior para a sobrevida da esquerda pós-PT: deixar de pautar a linguagem. Com ela, consegue determinar sentimentos, com eles, dirigir mentalidades. Foi com temas e vocábulos como feminismo, racismo, homofobia e fascismo, cada vez mais esvaziados de significado, que a esquerda conseguiu sobreviver à mais torrencial chuva de denúncias sem apresentar um único argumento técnico – e ainda podendo acusar seus adversários de “falta de provas”.

Quando a esquerda para de pautar o vocabulário, sua maior arma é perdida. Pior: se alguém ainda estiver interessado em retomar a ideia de que as palavras têm algum significado, é ensejo forte para os liberais finalmente explicarem que o modelo petista de gestão estatal é exatamente o chamado crony capitalism, ou capitalismo de Estado, ou de comadres, tão repudiado por liberais, mesmo com a camuflagem de liberalismo, que acaba tomando todas as culpas por seus fracassos.

Finalmente há um nome para o modelo de estatais, da Telerj de Cunha à Petrobras de Lula, os propinodutos e a forma de se obter poder com o dinheiro de empreiteiras. As empresas mais ricas do Brasil podem ter o dinheiro do trabalhador sem oferecer bons produtos na livre concorrência, preferindo o compadrio com figuras como Lula. Quando a esquerda critica agora o “neoliberalismo” e as privatizações, pode ter agora de encarar que seu modelo é o da propina como forma de obter poder. É isso ou admitir uma volta ao socialismo.

Apenas esta confusão linguística criada e regada pela esquerda pode explicar como uma militância fortemente refratária ao capitalismo pode defender justamente as empresas mais ricas do país, no ramo em que os trabalhadores são realmente explorados.

Sua mistificação vernacular poderia tentar transformar Marcelo Odebrecht e Leo Pinheiro em versões brasileiras de Friedrich Engels: os grandes empresários que financiam o revolucionário. A diferença da revolução para a propinocracia é que Karl Marx, o financiado, morreu na miséria, enquanto Lula pode sair da República da Cobra direto para a República de Curitiba tendo sido dono informal de um belo tríplex.

*Flavio Morgenstern é escritor e analista político. Editor do portal SensoIncomum.org, autor do livro “Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs”.
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