Todo indivíduo deve ter direito a proteção de suas propriedades e de sua privacidade. O grande paradigma está no modelo de negócios estabelecido, visto que a informação virou não apenas a riqueza do século 21 como também a moeda de pagamento. Podemos comprar coisas, trocar, usar serviços gratuitos, tudo isso pagando com informação. Mas qual o limite? Cabe ao Estado delimitar as regras para evitar abusos. No entanto, será que ele é capaz de garantir seu cumprimento, que depende de infraestrutura e recursos de terceiros, que são entes privados?
Em princípio, já há proteções legais para a privacidade. No entanto, na prática, não há nenhuma regra jurídica que imponha um limite máximo de tempo que uma empresa possa usar os dados de uma pessoa. Tampouco que determine quais são as formas legítimas de obtê-lo ou que amarre em propósito de uso. Logo, se você se cadastrar em um serviço, vai gerar dois tipos de informação: a cadastral e a comportamental (de uso do serviço). As máquinas registram tudo. Seja a escolha de alimentos em um supermercado amarrado a um CPF, seja as suas opiniões nas redes sociais.
O que pode ser feito com esses dados? As empresas têm alterado as políticas de privacidade para garantir maior propriedade dos dados. Entretanto, como medir se isso está sendo justo e proporcional? Se a informação está pública, teve coleta legítima e o uso está dentro de um propósito razoável? Você teria sempre o direito de pedir para parar de lhe contatar por este canal. Um usuário tem o direito de não querer passar seus dados, bem como de não querer que a empresa use sua informação. Se o usuário não concorda com os termos e políticas, ele não consegue seguir adiante. E se concordar com tudo e ceder seus dados, eles continuarão com a empresa para sempre, para qualquer propósito.
O assunto do momento das empresas da era digital é o big data. Ou seja, como gerar negócios com o grande banco de dados global que se tornou a web. Quanto maior o potencial, maior o valor da própria empresa.
Por isso, qualquer lei sobre privacidade, para ser eficaz, tem de ser reflexo do modelo socioeconômico estabelecido. Se há discussões éticas sobre o modelo, devemos revê-lo antes de aplicar uma lei mais rígida, que possa ter dois efeitos: a) não ser cumprida dificuldade de impor a mesma, inclusive para empresas fora do ordenamento jurídico de origem dos dados e b) gerar como retaliação o apagão digital de protesto as empresas retirarem os serviços do ar, o que lhes é de direito, visto que não terá mais como o mesmo se pagar, pois não poderão usar os dados.
Há necessidade de se delimitar algumas regras de conduta, que podem ocorrer até com autorregulamentação, e de transparência por parte das empresas, para que fique claro que dados serão usados, como e por quanto tempo. Afinal, você está disposto a abrir mão de usar os serviços gratuitos, as redes sociais em troca dos seus dados? Com certeza gostaria de sentir que tem controle sobre eles, que o Direito lhe protege contra abusos, por mais que você mesmo tenha, de livre e espontânea vontade, fornecido sua informação a um terceiro. Ganhará o mercado quem liderar a proteção da privacidade sustentável, com transparência. Qualquer outro formato, seja para um extremo do "libera geral", ou do "protege a pessoa dela mesma", está fadado ao fracasso. Ate lá, leia antes clicar no "OK".
Patricia Peck Pinheiro, advogada, é especialista em Direito Digital.