Milhares de pessoas protestam em Santiago, capital do Chile, 25 de outubro de 2019.| Foto: PEDRO UGARTE / AFP

Os protestos que vem ocorrendo no Chile e em outros países latino-americanos estão sendo interpretados de duas maneiras: uma ação orquestrada do grupo político bolivariano do Foro de São Paulo ou uma reação espontânea e popular contra as “políticas neoliberais”. De certo modo, essas duas interpretações não são mutuamente excludentes.

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É ingenuidade atribuir a essas manifestações um caráter orquestrado por uma organização – por mais recursos que essa organização disponha. Também é achar que protestos maciços e realizados quase no mesmo período em diferentes países podem ser atribuídos a uma causa tão vaga como as “políticas neoliberais”. O fato é que “espontaneidade” e “coordenação” interagem uma com a outra em processos dessa natureza. A literatura científica sobre movimentos sociais de ação coletiva mostra que um movimento de massa espontâneo pode amadurecer e adquirir um centro organizador, e uma ação organizada que adquire visibilidade pode desencadear uma onda de manifestações de massa. É provável que o que está ocorrendo na América Latina seja o segundo caso, muito em razão do papel das redes sociais.

Se houve um movimento inicial articulado e coordenado, o desafio agora desse grupo é controlar a direção política desses protestos

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Na era das redes sociais, pequenos eventos ou atos podem atrair a atenção e desencadearem uma outra série de eventos políticos de grandes proporções. As redes sociais baratearam o custo de divulgação de uma pauta política e de mobilização de massa. Por isso, através de pequenos grupos militantes, realizando atos de visibilidade, pode-se divulgar facilmente uma pauta de reivindicações que atraia adesão espontânea e também acabe por incorporar outras pautas. Vide o que aconteceu no Brasil: o que começou como manifestações contra o aumento de passagens de ônibus acabou por se tornar uma onda de protestos com pautas diferentes e até mesmo concorrentes daquelas iniciais.

Alguns fatos corroboram com essa hipótese do que está acontecendo no Chile e nos outros países da região: as declarações no dia 19 de outubro de Maduro no “1.º Congresso Internacional de Las Comunas” e do seu braço direito, Diosdado Cabello, no Foro de São Paulo, ambos atribuindo conexão entre os protestos e as pautas políticas bolivarianas; em julho uma nova articulação desse mesmo grupo político do Foro de São Paulo, surgiu no México, o chamado Grupo de Puebla, que declarou entre seus objetivos “ser um espaço de coordenação política para gerar mudanças sociais, sem partidos, mas com líderes”. E, principalmente, a notícia do jornal chileno, La Tercera, no último dia 28, que a inteligência da polícia chilena investiga a participação de agentes de Cuba e Venezuela nos ataques incendiários das estações de metrô de Santiago (aliás, o próprio ataque aponta para uma ação organizada, foram mais de 20 estações incendiadas em menos de 10 minutos).

O que pode estar acontecendo, então, é o seguinte: um grupo de militantes organizados pode ter iniciado protestos de pautas específicas, simples e populares. Os atos têm alta repercussão nas redes sociais em razão da natureza violenta e do vandalismo. Logo em seguida, é desencadeada uma mobilização espontânea, através das redes sociais, de outros grupos com pautas diversas (uma pesquisa do instituto chileno IPSOS revelou que 67% das pessoas entrevistadas atribuem como principal motivação dos protestos uma insatisfação com o custo de vida e a qualidade de serviços públicos, ou seja, uma pauta bem difusa e ampla, bem longe daquela inicial, o aumento na passagem do metrô).

Se houve, então, um movimento inicial articulado e coordenado, o desafio agora desse grupo é controlar a direção política desses protestos com pautas, agora, bastante difusas. Muitos políticos e lideranças ligadas ao Foro de São Paulo, inclusive no Brasil, estão tentando fazer isso: atribuir aos protestos uma narrativa comum, “uma revolta popular contra as políticas neoliberais da direita latino-americana”.

Algumas vezes é alcançada a direção geral do sentido político de movimentos de massas e em outras não. Aguardemos os próximos episódios para ver qual será o caso.

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Lucas Azambuja, sociólogo e professor do IBMEC-MG.