‘Não vamos calar, mas não vamos escalar”. Foi assim que o novo ministro das Relações Exteriores, José Serra, sintetizou sua orientação sobre o estremecimento diplomático com a Venezuela e outros países da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba). Nas duas notas emitidas pelo Itamaraty, o Brasil “rejeita enfaticamente” as “falsidades” propagadas pelos governos daqueles países sobre “o processo político interno”, “repudia” as declarações de Ernesto Samper, secretário-geral da Unasul, e qualifica seus juízos como “incompatíveis com as funções que exerce e o mandato que recebeu”. São duras respostas à escalada retórica de líderes que subordinam os interesses de suas nações a conveniências táticas específicas.
Nicolás Maduro descreveu o impeachment no Brasil como “golpe de Estado parlamentar” e, na sequência, aplicou um golpe de Estado contra o Parlamento de seu país, decretando o estado de exceção. O regime chavista em declínio teme, mais que tudo, as repercussões do impedimento de Dilma Rousseff sobre a Venezuela. Significativamente, o que assusta o chavismo aparece refletido na nota da presidente afastada, que enxerga na “farsa jurídica aqui montada” (isto é, o impeachment supervisionado por um STF independente) o risco de “desestabilização de governos legítimos” (isto é, a tirania venezuelana).
As narrativas “interna” e “externa” sobre o “golpe” são faces complementares de uma estratégia única
No país vizinho, vergado pelo colapso da economia, a maioria parlamentar eleita deflagrou um processo de revogação constitucional do mandato de Maduro por via plebiscitária. Sob o efeito demonstração do Brasil, os eleitores tendem a se libertar do medo e exigir que uma corte suprema servil ao chavismo obedeça à lei, dando seguimento à convocação da consulta popular. A escalada diplomática é uma tentativa de dissolver o impacto da substituição legal do governo Dilma. Os demais países da Alba apenas fazem eco à gritaria insultuosa oriunda da Venezuela.
O Brasil terá que tomar a iniciativa, em meio à tempestade. Os EUA são carta fora desse baralho, pois os focos regionais de Barack Obama são a abertura para Cuba e a conclusão da paz na Colômbia, que depende da cooperação de Havana e Caracas. No governo e no Itamaraty, uma corrente quer tomar o “não escalar” ao pé da letra, circunscrevendo a resposta às notas diplomáticas. Atrás disso, está a crença de que o governo Temer precisa se firmar internamente, antes de avançar no campo minado da política latino-americana. Uma corrente oposta argumenta que, nesse caso, política externa e política interna encontram-se indissoluvelmente conectadas, não oferecendo ao governo outra alternativa senão a contraescalada.
De fato, as narrativas “interna” e “externa” sobre o “golpe” são faces complementares de uma estratégia única. A acusação de ilegitimidade do governo Temer nasce no PT e desdobra-se na campanha diplomática da Alba. Serra só podia declarar publicamente que não pretende “escalar”, pois países sérios não emulam os discursos histéricos de regimes como o da Venezuela. Contudo, o ministro enfrenta sua prova de fogo, que também é um teste crucial para o governo Temer. Uma reação tímida, apenas reativa, redundará em desmoralização do Itamaraty e retardará a consolidação externa e interna do novo governo.
Na linha da contraescalada, o regime chavista surge como alvo óbvio. A Venezuela ruma ao abismo econômico, conduzida por um sistema de poder autoritário e corrupto. Analistas preveem que, no futuro próximo, o país precisará de ajuda humanitária internacional. O regime controla o Judiciário, a alta oficialidade militar foi parcialmente incorporada ao partido oficial e milícias armadas chavistas atemorizam a população. Líderes opositores encontram-se encarcerados, sob sentenças emanadas de farsas judiciais. Bloqueando o caminho legal da consulta revogatória, Maduro semeia a explosão social. O isolamento do governo venezuelano alinha-se com o interesse nacional brasileiro de prevenir uma guerra civil em país fronteiriço e atende ao princípio constitucional de defesa dos direitos humanos no âmbito da política externa.
Não basta, embora seja um bom começo, invocar a cláusula democrática do Mercosul. A articulação para isolar o regime venezuelano só terá sucesso se envolver diversos parceiros regionais, especialmente a Argentina de Mauricio Macri e o México de Enrique Peña Nieto, na denúncia do autoritarismo chavista e no amparo à Assembleia Nacional eleita. A necessária contraescalada enseja uma oportunidade para a reconstrução da arquitetura estratégica da América Latina, por meio da aproximação do núcleo do Mercosul com a Aliança do Pacífico. No horizonte de Serra, brilham as luzes de uma ativa diplomacia comercial. Mas, para abrir essa comporta, o Brasil deve enfrentar o desafio geopolítico evidenciado pela crise em curso.
A embaixada em Caracas é um ativo valioso na contraescalada. Sem exageros ou encenações teatrais, ela pode organizar a interlocução cotidiana com os líderes da Assembleia Nacional e repercutir informações sobre violações de direitos humanos. Contudo, sabotará as ações do Itamaraty se continuar sob o comando do embaixador Ruy Pereira, antigo chefe de gabinete de Samuel Pinheiro Guimarães, que abandonou à própria sorte a delegação parlamentar brasileira encarregada de prestar respaldo aos presos políticos venezuelanos. Uma nova política externa precisa de diplomatas leais ao interesse nacional, não aos dogmas ideológicos do lulopetismo.
A crise aberta pela escalada do chavismo coloca Serra numa encruzilhada. Se sucumbir às hesitações inerentes ao governo Temer e aos conselhos de diplomatas profissionais imersos no pensamento rotineiro, o ministro será confrontado com um desafio maior no futuro próximo — e terá que enfrentá-lo em condições piores. Resta-lhe o caminho de assumir a iniciativa, articulando uma contraescalada serena, mas persistente e decisiva.
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