Em abril de 2024, o CFM, sob minha relatoria, publicou a Resolução 2378 que proibia o método de tortura e cruel de assistolia fetal que consiste em injetar substâncias dolorosas para provocar a morte de um bebê viável de até nove meses de gravidez com condições de sobreviver fora do útero. Prontamente, como era de se esperar, o PSOL entrou com uma ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), a ADPF 1141, para que esse método bárbaro de aborto fosse mantido. O relator foi o ministro Alexandre de Moraes que a suspendeu de forma liminar antes de dar direito de defesa ao CFM.
Ao concedê-la, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que, aparentemente, o Conselho ultrapassou sua competência regulamentar impondo tanto ao profissional de medicina quanto à gestante vítima de um estupro uma restrição de direitos não prevista em lei, “capaz de criar embaraços concretos e significativamente preocupantes para a saúde das mulheres”. Em artigo meu com o professor Ives Gandra nesta Gazeta mostramos que nunca existiu no ordenamento jurídico brasileiro direito ao aborto.
Precisamos que parlamentares e partidos se posicionem contra o aborto e provoquem o STF para tentar contrabalançar as ações do PSOL. Como por exemplo, pedir a obrigatoriedade do registro de ocorrência para abortos em casos de estupro
Código Penal não dá direitos. Simplesmente, prevê não punibilidade em casos previstos em Lei. Logo depois, a ação foi levada ao plenário virtual do STF que, após o voto do ministro André Mendonça empatando, teve pedido de destaque do ministro Kássio Nunes que obriga o tema ser levado ao plenário pelo presidente do STF e que até agora ele não dá nenhum sinal de a levar em seu mandato.
De forma absolutamente heterodoxa, para se dizer o mínimo, o PSOL tem feito pedidos ao STF no âmbito da ADPD 1141 que nada têm a ver com o objeto da ação. O mais assustador é que esses pedidos estão sendo incluídos nessa ADPF sem serem sorteados. O primeiro pleito foi o de proibir fiscalizações dos procedimentos de aborto pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp). Procedimentos inclusive em que não houve uso de assistolia fetal. O ministro Alexandre de Moraes atendeu o PSOL e determinou a proibição por parte do Cremesp de requisitar prontuários médicos de pacientes que realizaram aborto com excludente de punibilidade (o chamado erroneamente de “aborto legal”) em qualquer estabelecimento hospitalar de São Paulo.
No despacho, o ministro afirma que a medida foi necessária “diante de notícias reportando novas solicitações do Cremesp por prontuários médicos de pacientes que realizaram aborto legal no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu”. A lei de 1957 que rege os conselhos de medicina lhes assegura o dever de fiscalizar qualquer procedimento médico independentemente de provocação prévia. A situação que temos hoje é que procedimentos de aborto no país estão proibidos de serem fiscalizados, permitindo, em tese, que hospitais façam abortos mesmo que ilegais, já que sabem que não podem ser fiscalizados por decisão do STF.
Na prática, é o que ocorre porque os conselhos de medicina de todo o país obviamente estão com medo de serem acusados de descumprirem decisão do STF. Mesmo que a decisão seja para o Cremesp, qual conselho de medicina terá coragem de fazer fiscalização de aborto sabendo que no despacho o ministro ameaçou de responsabilização pessoal do presidente do órgão?
Não satisfeito, o PSOL ingressou com um novo pedido na ADPF 1141 que trata tão somente de assistolia fetal: pedindo proibição de encaminhar gestantes com mais de 22 semanas vítimas de estupro ao pré-natal em vez de realizarem o aborto. Uma gravidez com mais de 22 semanas é a de um feto viável. Normal e desejável que se faça pré-natal, mesmo que o desejo seja o de interromper a gravidez – o que pode ser feito sem matar o bebê, através da antecipação do parto, com o bebê sendo encaminhado para adoção.
Essa ânsia de matar do é fato recente motivado pela sanha dos movimentos a favor da descriminalização do aborto apoiados pelo PSOL. Até tempos recentes, era impensável se matar um bebê viável no aconchego do útero materno. Isso era tão inconcebível que o legislador originário de 1940 do Código Penal sequer cogitou essa situação e por isso não colocou limite de idade gestacional para o procedimento. O Brasil é caso praticamente único no mundo em que não há limite de idade para se matar o bebê dentro do útero. Mesmo países em que o aborto é livre por desejo materno como a França, há limite para que se realize o procedimento.
Na tentativa de facilitar o aborto via Judiciário, já que na casa do povo que é o Parlamento eles sabem não ter votos, o PSOL entrou com mais um pedido inacreditável no STF: pedindo que o aborto nos casos já previstos em lei possa ser realizado por outros profissionais da saúde, não apenas médicos, ou pelas próprias pacientes em casos de até 12 semanas de gestação. A ação afirma que a interpretação literal do art. 128 está ultrapassada quanto a quais profissionais de saúde estão habilitados para cuidar de casos do tipo. E que essa restrição "impõe barreiras trágicas e cientificamente ultrapassadas de acesso à saúde e de livre exercício profissional".
Trágico é o pedido do PSOL: o aborto é um procedimento com riscos, como mostrei na audiência pública no STF da ADPF 442, com maior risco de mortalidade do que o de partos – que no Brasil já é alto quando comparado com países desenvolvidos. Diferente do que tentam os abortistas fazerem crer, o aborto feito em hospital está longe de ser isento de riscos, podendo, inclusive, levar à morte. Se outros profissionais ou mesmo as próprias mulheres puderem fazer o aborto, se houver complicações e for necessário atendimento de urgência quem terá de resolver será o médico.
O que o PSOL quer é facilitar e, na prática, aproximar o Brasil da legalização do aborto. Lembrando que no Brasil basta a suposta vítima de estupro alegar que foi violentada que já pode fazer o aborto sem necessidade sequer de registro de ocorrência na polícia – embora a lei que transformou o estupro em ação pública não condicionada à vontade da vítima obrigue o médico que notifique a polícia. Isso está expresso, aliás, no documento que fiz como secretário nacional de atenção primária do governo Bolsonaro.
Enquanto o PSOL regularmente provoca o STF com ADPFs para tentar facilitar o aborto, nenhum partido de direita, supostamente contra o aborto, entra com nenhum pedido para impedir esses abusos ou dificultar o aborto, mostrando que muitas vezes o tema é usado tão somente para angariar votos e depois é esquecido. Precisamos que parlamentares e partidos se posicionem contra o aborto e provoquem o STF para tentar contrabalançar as ações do PSOL. Como por exemplo, pedir a obrigatoriedade do registro de ocorrência para abortos em casos de estupro.
Não é possível que para algo tão grave como se matar um bebê de nove meses baste apenas uma palavra, sem qualquer investigação policial. Além disso, caso a denúncia seja verdadeira, um estuprador estará livre pronto para perpetrar novos estupros. Entendemos que os partidos de direita não fazem isso para não estimular o ativismo judicial. Mas a questão é que estamos numa guerra desigual.
É importante também que a mídia e os parlamentares pressionem para que o presidente do STF paute o julgamento da ADPF 1141, pois, no momento, por decisão liminar do ministro Alexandre de Moraes, o método bárbaro da assistolia fetal está liberado e, longe da comoção da imprensa majoritariamente defensora do aborto livre, estão sendo mortos, diariamente, bebês plenamente capazes de sobreviverem fora do útero.
E as pessoas que tentam defender a vida como bem fundamental são perseguidas e, muitas vezes, punidas. Recentemente, o Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu, por unanimidade, aplicar a pena de censura à magistrada Joana Ribeiro, do Tribunal de Santa Catarina (TJSC), por sua conduta em processo de análise de medida protetiva de acolhimento. Do ponto de vista obstétrico, não consegui ver nenhuma orientação errada por parte da juíza.
Enfim, solicitamos uma audiência com o presidente do STF há meses para tratarmos da ADPF 1141 pedindo que seja pautada ainda sem marcação por parte do STF. Acreditamos que temos maioria no STF para fazer voltar a valer a resolução. A vida dos bebês depende disso.
Raphael Camara Medeiros Parente é conselheiro federal de medicina pelo Rio de Janeiro, relator da resolução que proíbe assistolia fetal, e ex-secretário de Atenção Primária do Ministério da Saúde no governo Bolsonaro.