Os contratos de compra e venda de imóveis na planta, em grande parte, têm cláusula padrão conferindo às incorporadoras um prazo de tolerância geralmente fixado em 180 dias após o prazo final para a conclusão do empreendimento. Embora o Ministério Público do Estado de São Paulo já tenha se manifestado pela ilegalidade da famigerada cláusula de tolerância, algumas decisões do Tribunal de Justiça do mesmo estado têm reconhecido a validade da cláusula, em razão da existência de vários fatores que possam interferir na duração da construção de edifícios – e, consequentemente, na obtenção das licenças. Porém, existem diversos precedentes judiciais que não admitem ou aceitam o prazo de tolerância, eis que a existência de exigências administrativas para construção e entrega do imóvel – tais como a concessão do “habite-se” – e a escassez de mão de obra especializada são circunstâncias conhecidas das incorporadoras e construtoras, as quais se dedicam à construção e comercialização de imóveis, e, portanto, elas deveriam ter considerado tais circunstâncias no momento da fixação da data prevista para a entrega do imóvel.

CARREGANDO :)

De fato, a prática de mercado passa a impressão de que a construtora ou vendedora, desde a assinatura do contrato, não tem a intenção de entregar as unidades no prazo estabelecido. Conta o prazo de tolerância como se fosse prazo a seu favor, quando na verdade o prazo é do adquirente. Com isso, o comprador do imóvel é ludibriado pela incorporadora com a promessa de entrega em data que, sabe-se desde o início, não será cumprida, valendo-se da “tolerância” prevista como termo final da obrigação, a qual, repita-se, deveria ser tratada como exceção e não como regra.

O comprador do imóvel é ludibriado com a promessa de entrega em data que, sabe-se desde o início, não será cumprida

Publicidade

A jurisprudência também tem reconhecido o direito à indenização aos proprietários quando o atraso na entrega da obra supera o prazo de tolerância previsto em contrato, fixando em média o valor correspondente a 0,5% do valor atualizado do imóvel para cada mês de atraso, além de perdas e danos, se comprovados pelo comprador. Este direito deve estar em contrato, ou ser fixado por um juiz em ação judicial ajuizada para este fim, já que atualmente não existe previsão legal vigente quanto ao pagamento de multa pelas construtoras aos adquirentes das unidades nos casos de atraso superior ao prazo de tolerância.

Está em tramite no Senado Federal o Projeto de Lei da Câmara 15/2016, que altera a lei que trata das incorporações no Brasil; seu objetivo é estabelecer regras claras quanto ao andamento, atraso e penalidade para as construtoras. Se aprovado o projeto de lei, será estabelecido prazo máximo de tolerância de 180 dias para as construtoras finalizarem suas obras, criando uma uniformidade acerca desse tema. Além disso, caso as construtoras ultrapassem o prazo de tolerância fixado em contrato, estas deverão pagar aos adquirentes a quantia correspondente a 1% do valor do contrato a título de multa penal compensatória – o que seria uma inovação –, além de 0,5% de multa moratória ao mês, que já é normalmente praticada atualmente. No mais, o projeto impõe ainda às incorporadoras a obrigação de avisar com antecedência de seis meses eventuais atrasos que possam ocorrer na entrega, bem como informar aos adquirentes mensalmente o andamento das obras, o que se coaduna com os princípios estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor, tais como os de informação e transparência.

Com a aprovação do projeto de lei, acredita-se que as incorporadoras não medirão esforços para conclusão dos empreendimentos no prazo máximo fixado nos contratos, sob pena de terem de pagar multa aos consumidores adquirentes de unidades incorporadas com expressa previsão legal. Mas, para que isso ocorra, é preciso que o projeto seja aprovado e sancionado com a redação atual, sem alterações ou emendas.

Apesar de a iniciativa do projeto de lei ser de fato um grande avanço no estabelecimento de regras claras quanto ao prazo de entrega das unidades autônomas, bem como da fixação de penalidade às incorporadoras que não cumprirem tais prazos, deve-se aguardar com cautela e atenção o tramite do processo legislativo, para que as garantias inicialmente previstas a favor do adquirente ou consumidor não sejam minimizadas ou extintas, tornando inócuo todo o esforço feito até aqui. De todo modo, até que seja aprovada a referida lei, o consumidor ou adquirente que se sentir lesado pela aplicação indiscriminada da cláusula de tolerância ou pela entrega posterior a ela pode acionar a Justiça e exigir indenização, pois existem diversas decisões judiciais atuais reconhecendo este direito.

Publicidade
Rafael Mermerian é advogado especialista em Direito Imobiliário.