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Fracassou a reunião da Otan no País de Gales, na semana passada, quando nela não se reconheceu oficialmente que Putin invadiu a Ucrânia e tomou a Crimeia, pisoteando diretos e garantias institucionais e constitucionais vigentes no país. Ao não chamar pelo nome "invasão", Barack Obama e outros importantes líderes internacionais se curvaram aos ditames de Putin. Não bastasse, abriram as portas a novas possíveis futuras invasões russas na Polônia e nos países bálticos. A Otan, sem dúvida, outorgou carta branca para que Moscou continue seu projeto de desestabilização da Europa.

A pergunta que se insurge é: por quê?

A resposta é simples. Quando os líderes internacionais reconhecem que não houve e não há invasão da Rússia contra a Ucrânia, e veem o que lá acontece como menos importante, ficam desobrigados a dar uma resposta, isto é, não precisam reagir. A Otan não quer atuar. Alega que deve respeitar o acordo internacional que fez com a Rússia em 1997, por meio do qual se comprometeu a não mandar para a Europa Central e Oriental "forças militares de combate substanciais". Esquece-se, porém, de que Putin não é homem de cumprir acordos, muito menos internacionais, que nem foram assinados por ele; e que Moscou, aberta e despudoradamente, violou o protocolo internacional de Budapeste, assinado em 1994, que obriga a Rússia a respeitar a integridade territorial da Ucrânia.

Ao curvar-se diante de Putin, a Otan admite o fim da "ordem internacional do pós-Segunda Guerra", cujo principal fundamento é o respeito à integridade territorial do outro. A Otan, ao fingir que esse compromisso recíproco não foi violado, autoriza Putin a continuar sua forma híbrida de guerra contra outros países e lança à própria sorte poloneses e bálticos – e a nós todos.

Putin vence também a guerra da "desinformação" – interna e internacional. O líder russo hoje se sente livre para levar sua milícia para onde quiser, na medida em que suas palavras não precisam corresponder às suas ações. Sabe-se que o Kremlin assumiu o total controle das emissoras nacionais de tevê e rádio, principais fontes de notícias dos russos. Todos os homens de Putin no leste da Ucrânia cortam e subtraem os sinais de emissoras ucranianas e internacionais de notícias: hoje a única fonte de informação é a propaganda produzida em Moscou.

O processo de desidratação da verdade a que está submetido o povo da Ucrânia (e da Crimeia) é adensado com histórias fabricadas, mentiras e vídeos falsificados nos quais se veem o presidente ucraniano e os líderes antisseparatistas como fascistas, nazistas que matam os russos e ucranianos de origem russa. Neles, os soldados de Putin muitas vezes conseguem chegar a tempo de salvar as "vítimas". Foram esses vídeos que ajudaram a população da Crimeia a se render à Rússia no plebiscito que, mesmo ilegal e imoral, acabou aceito como válido pela comunidade internacional.

Na tentativa de esboçar alguma reação, americanos e europeus ameaçam com novas retaliações, inclusive de boicotar a futura Copa do Mundo de 2018. Mas já é tarde. Ademais da incompetência da Otan, Putin tem grande poder de reação e persuasão bélica, e conta com uma dieta de caráter muito bem-sucedida.

Maristela Basso, advogada, é professora de Direito Internacional da USP.

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