Vivemos um momento de enorme instabilidade entre os agentes que operam, os que financiam e os que consomem a cultura brasileira. É fato que o modelo de renúncia fiscal à cultura, como a Lei Rouanet, sempre dividiu as opiniões, levando-nos a crer que carecemos de investimentos mais diretos por parte do Estado. Essa tese não é de hoje. Mas, afinal, por que isso ocorre?

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Um estudo publicado em 1989, presente no livro Who’s to pay for the Arts: The International Search for Models of Support, do norte-americano Mark J. Schuster, PhD do MIT, apresenta uma análise elaborada pelos pesquisadores Hillman-Chartrand e McCaughey, do American Council for the Arts, sobre o papel escolhido por diferentes nações no que tange ao investimento à cultura. O trabalho sintetiza os modelos de financiamento dividindo-os em quatro formatos: Facilitador, Mecenas/Patrono, Arquiteto e Engenheiro.

O primeiro a ser apresentado é aquele que tem por objetivo dar suporte ao desenvolvimento da criatividade e das artes de forma plural, o Facilitador. Tal modelo implica que a produção cultural resultante do financiamento seja a mais diversificada. Em razão disso, o suporte público tende a ocorrer de maneira indireta, ou seja, por meio da imunidade tributária concedida às organizações produtoras de arte e também pelo benefício fiscal usufruído por potenciais doadores privados a elas. Os autores propõem os Estados Unidos como principal expoente deste modelo.

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Se no modelo anterior o financiamento resulta em uma maior diversidade cultural, há um outro que deseja privilegiar a excelência de ações culturais mais relevantes. Tais países são considerados Mecenas/Patronos; neles, os recursos oriundos de orçamento público são aplicados por meio de uma agência semipública que goza de autonomia e independência, um formato conhecido como arm’s length. Neste modelo, os membros das comissões, nomeados pelo governo, são especialistas que têm por objetivo elencar a excelência artística entre diversas instituições e iniciativas. É utilizado pelo Reino Unido, onde essas agências, conhecidas como Arts Councils, e suas equivalentes regionais espalhadas pelo país atuam de forma articulada.

A coexistência de modelos não é necessariamente ruim. Pode ser até uma solução

No formato do Estado Arquiteto, representado pela França, evidencia-se, ao contrário dos anteriores, a presença de uma entidade pública forte, normalmente um Ministério da Cultura, responsável por elencar as entidades e iniciativas que tenham por finalidade maior contribuir para o bem-estar social da nação. Neste modelo, o ente público, ligado ao governo central, financia de forma direta as iniciativas culturais e artísticas a fim de que estas atendam às necessidades do cidadão. Segundo os autores, tal modelo tende a direcionar o financiamento de artistas e instituições mais vinculados a determinadas tendências corporativas, tais como sindicatos e associações mais representativas do setor.

Em diversos países do Leste europeu, entre os quais aqueles oriundos da antiga União Soviética, prevalece o modelo Engenheiro, em que a intervenção do Estado se dá por meio da propriedade dos meios de produção cultural, administrando diretamente teatros, orquestras e museus. Os autores indicam este modelo como típico de Estados totalitários, nos quais o objetivo do financiamento às artes tende a absorver todo o viés ideológico de um determinado governo.

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No Brasil, com exceção da imunidade tributária (dada constitucionalmente aos partidos políticos, templos religiosos, assistência social e algumas entidades educacionais), é possível enxergar a coexistência de todos estes modelos operando de forma simultânea. É como se de tempos em tempos tivéssemos escolhido formatos diferentes para operar a cultura. Vejamos.

Enquanto o financiamento à cultura em várias esferas de governo se dá por meio de programas de renúncia fiscal como a Lei Rouanet (o modelo Facilitador), é possível identificar também, de forma muito presente, o Estado administrando diretamente equipamentos culturais (o modelo Engenheiro). Chega-se ao cúmulo de observarmos corpos artísticos estatais (modelo russo) dependendo de recursos de renúncia fiscal (modelo americano).

Na outra ponta, entidades que deveriam gozar de autonomia são subordinadas ao Ministério da Cultura, um claro exemplo de modelo inglês coexistindo com o francês. O caso mais emblemático é a Funarte, que poderíamos classificar como um Arts Council público, ainda que muitos tenham dificuldade para elencar suas atribuições.

Ao mesmo tempo se observa uma presença forte do modelo Mecenas/Patrono, típico de países do Reino Unido. Os programas e unidades culturais gerenciados por meio do sistema S – entidades autônomas que operam e financiam a cultura com recursos provenientes das contribuições sociais – são o exemplo mais alinhado com tal proposta. As Organizações Sociais também são formatos de execução de políticas públicas que bebem na fonte deste modelo britânico.

A coexistência de modelos não é necessariamente ruim. Pode ser até uma solução. Muitos dos países aqui citados estão buscando alternativas para suas matrizes. Mas é preciso que haja equilíbrio e clareza sobre o papel de cada ente federado ou entidade neste processo.

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Para se começar a organizar a confusão criada no país ao longo dos anos, é urgente a criação de um marco regulatório que levante estudos no campo da economia da cultura e da gestão, com a finalidade de discutir de forma isenta um modelo de financiamento à cultura no Brasil. Modelo que, independentemente de abarcar ou reformar os mecanismos e instituições existentes, garanta equidade, efetividade e eficiência, cumprindo com uma política pública séria, correta e comprometida com o desenvolvimento cultural pleno do país.

Marino Galvão Jr., ator, diretor e produtor, é mestre em Gestão do Espetáculo pela Universidade Bocconi de Milão e pela Academia do Teatro Scala de Milão e presidente do Instituto Curitiba de Arte e Cultura (Icac), entidade responsável pela gestão da Camerata Antiqua de Curitiba, Oficina de Música de Curitiba, Capela Santa Maria e Conservatório de MPB de Curitiba.