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Merecem a mais acurada reflexão as declarações do ex-juiz Sérgio Moro, especialmente quando diz que Supremo Tribunal Federal (STF) perdeu força e legitimidade a ponto de hoje ser alvo da Proposta de Emenda Constitucional que prevê a derrubada de decisões não unânimes daquela Corte e, também concede ao Legislativo o poder de rever as decisões do STF no caso de as sentenças extrapolarem o limite constitucional do Poder Judiciário.
O tema é explosivo, pois representará, na prática, a revogação pelo Congresso Nacional de decisões da mais alta Corte de Justiça do país. Mas as articulações vão além: senadores e deputados também estudam a fixação de mandato para os ministros, hoje vitalício e exercido até os 75 anos de idade.
O STF vive um período controverso e inédito em sua história bicentenária. A instituição foi criada em 1808, quando o governo de Portugal foi transferido para o Rio de Janeiro, e teve o nome inicial de Casa de Suplicação. Hoje, no lugar da tradicional e desejada âncora da imutabilidade da Constituição – que só deve ser alterada pelo Poder Constituinte – vemos o tribunal colocado sob dúvidas decorrentes do denunciado ativismo de seus integrantes. Em vez de apenas modular as questões da sociedade, a Corte é acusada de invadir as atribuições do Legislativo e do Executivo e a mudar interpretações constitucionais ao sabor do movimento e do embate político.
Lula, por exemplo, condenado em três instâncias e encarcerado, foi liberto pela penada monocrática do ministro Edson Fachin – que argumentou serem os crimes do ex-presidente da alçada da Justiça Eleitoral e não da 13º Vara de Curitiba, onde os processos correram e Moro era o juiz, e os demais ministros do Supremo não se manifestaram.
Já no caso do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), que xingou ministros e o próprio STF, a mão pesada do ministro Alexandre Moraes prendeu e condenou o parlamentar, sentença mantida pelo demais ministros. Os mesmos ministros do STF chegaram até a considerar a possibilidade de anular o perdão dado ao réu pelo presidente Jair Bolsonaro. A grande pergunta é o que faria o pleno se tivesse analisado a questão de Lula, já que pelo menos dois ministros – Luiz Fux e Gilmar Mendes – reconhecem o cometimento dos crimes pelos quais o ex-governante foi condenado.
Legalista e perseguido pelo STF, que aceitou a tese de sua suspeição, Moro evita polemizar e sustenta que as condenações de Lula foram legítimas e de acordo com o entendimento constitucional da época. Diz tê-lo julgado conforme as provas dos autos e que ninguém – ele, juiz, os desembargadores e o os procuradores da Lava Jato – cometeram crimes ao apurar e julga Lula e os demais envolvidos nos escândalos de corrupção.
Embora o Congresso Nacional tenha sido colocado em recesso por 18 vezes ao longo da história, e alguns governos encerrados antes do tempo previsto, o Supremo Tribunal Federal nunca foi fechado. Teve ministros aposentados compulsoriamente e poderes reduzidos depois do Ato Institutcional 5 (AI-5), decretado em 1968, mas nunca parou. Seus atuais ministros, na medida em que se envolvem em polêmicas e adotam atitudes extremadas ou invasivas dos outros poderes da República, acabam vistos como ativistas políticos, o que não é nada bom para quem tem a nobre missão de guardião da Constituição e mediador das contendas da sociedade.
Quando Legislativo, Executivo e Judiciário se confrontam, em vez de atuarem harmônicos e independentes, como determina a Constituição, o mal-estar da sociedade é inevitável. O Judiciário foi trazido para a lida política pelos parlamentares e dirigentes partidários de baixo clero que, não conseguindo seus objetivos nas casas legislativas ou junto ao governo, provocam os tribunais para invalidar leis ou atos administrativos.
Um exemplo disso foi o STF determinar que Senado – que cedeu obedientemente – instalasse a CPI da Covid-19, que terminou em fiasco, e quando impediu o presidente da República de exercer o seu direito constitucional de nomear o servidor que escolheu para o posto de diretor da Polícia Federal. Isso não é tarefa para ministros de tribunal superior, que deveriam limitar-se à sua importante missão de dirimir dúvidas relativas à constitucionalidade das leis e atos, mas nunca opinar quanto ao mérito.
Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar de São Paulo e dirigente da Associação de Assistência Social dos Policiais Militares de São Paulo (Aspomil).