Um dos maiores desafios nas relações internacionais é conseguir prever o comportamento dos Estados nacionais. Após mais de 60 anos de aprofundamento da integração europeia, que teve início com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (Ceca), em 1951, nos deparamos com a saída do Reino Unido do bloco europeu, por meio de plebiscito realizado em 24 de junho. Trata-se do primeiro país a deixar o bloco – mesmo após a crise econômica que assolou a Grécia e outros países europeus, os mesmos se mantiveram na União Europeia.
As discussões sobre a relevância da integração regional na Europa não são recentes; datam desde o século 17, com o abade de Saint-Pierre – considerado o pai da integração –, e, posteriormente, com Jean-Jacques Rousseau, ao defender a ideia da democracia como elo de aproximação e de facilitação da integração. Mas é nos anos 1960 que ocorre o aprofundamento dos estudos sobre a importância da integração regional. É no mesmo período que surgem outros blocos econômicos, como a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc) e a Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean).
Segundo os realistas, como o sistema internacional é anárquico, acaba por predominar a competição entre os Estados
- Um “Brexit” provinciano (editorial de 25 e 26 de junho de 2016)
- Grã-Bretanha e Europa (coluna de Carlos Ramalhete, publicada em 23 de junho de 2016)
- Saindo à inglesa (artigo de Jorge Fontoura, publicado em 21 de junho de 2016)
- Um divórcio anunciado (artigo de Elizabeth Accioly, publicado em 21 de junho de 2016)
No entanto, o processo mais bem-sucedido de integração econômica regional foi o europeu, sendo o único a atingir a fase da união econômica e monetária, e chegando a discutir uma possível união constitucional, em 2004, mas que não fora aprovado pela não ratificação da França e da Holanda. Apesar desses impasses no aprofundamento institucional do bloco, o bloco manteve a ampliação dos seus membros, iniciado com seis países (Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos) e atualmente com 28 países (contando ainda o Reino Unido), tendo também países em processo de adesão como Albânia, Montenegro e Turquia.
O Reino Unido esteve envolvido nas discussões sobre o processo de integração econômica europeu desde o seu começo, no fim da Segunda Guerra Mundial. Naquela ocasião, o Reino Unido se recusara a participar do início da integração por ser contra a ideia da supranacionalidade no bloco. Com o sucesso da integração econômica nos anos 1960, o país se candidatou ao grupo, mas foi impedido pela França, governada por Charles de Gaulle. Só conseguiu o ingresso na União Europeia em 1973, mas sempre se manteve relutante em vários assuntos como a aceitação da moeda comum (o euro), a implementação de uma politica externa europeia e a segurança, entre outros temas.
O Reino Unido é o quarto maior contribuinte econômico e um dos países mais fortes do bloco, junto com a Alemanha e França. Sua saída representa em uma grande perda para a União Europeia, recaindo o peso da liderança sobre a Alemanha, já que França se encontra também com sérios problemas econômicos. Com o aumento do nacionalismo e da xenofobia, e o agravamento da crise econômica na Europa, países como França, Holanda e Itália já declaram a intenção de também realizar plebiscitos a fim de consultar a população sobre a permanência ou saída do bloco.
Após décadas de aprofundamento da integração regional europeia e de ações voltadas para a cooperação e o auxílio entre os países-membros do bloco, nos deparamos com o retorno do realismo nas relações internacionais, visando garantir a sobrevivência dos países por meio da maximização do seu poder nacional. De acordo com essa linha de pensamento, como o sistema internacional é anárquico, acaba por predominar a competição entre os Estados, caracterizando-se num ambiente self help, ou seja, “cada um por si e Deus por todos”. O que o realismo ignora é que esse poder nacional é constituído por interesses nacionais dos atores do nível doméstico.
Assim, pode-se dizer que há uma grande incerteza quanto à sustentação do bloco. Oran Young, pesquisador da relevância das instituições internacionais, ressalta que uma das variáveis mais importantes para a efetividade das organizações internacionais é manter sua base intelectual, que representa o poder das suas ideias, dos seus valores. Ruindo seus valores e suas ideias, a instituição internacional também entra em colapso.
A União Europeia segue com esse desafio de encontrar meios para que seus objetivos e valores se mantenham, a fim de superar seu enfraquecimento e até mesmo seu desmantelamento.