"Quiero paz, quiero paz, quiero paz", a peroração do imperador Carlos 5º poderia servir de modelo a todos os discursos que o presidente Obama tem feito sobre temas internacionais. Se o antecessor se autodesignava como war president, ele teria razão para se chamar de presidente de paz.

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Não se trata apenas da opção pela diplomacia como método preferencial de resolver conflitos ou da vocação pessoal para o diálogo e a cooperação. A onipresença paralisante da crise econômica, a prioridade de recompor a coesão social duramente provada por 20 anos de desigualdade crescente, a corda dos recursos militares esticada até a ruptura no Iraque e no Afeganistão não lhe deixam alternativa no fundo.

Até agora as circunstâncias ajudaram. Não houve ataque terrorista como o do 11 de Setembro nem operação do tipo do desembarque em Cuba nos primeiros dias do governo Kennedy, mas estamos só no começo. Com Bush filho, os seis meses inaugurais davam a impressão de governo desinteressado dos assuntos mundiais. Foi Bin Laden quem mudou o rumo da história e criou as condições que ajudaram a imprimir àquele governo seu caráter indelével.

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O atentado obrigava a uma reação avassaladora, mas não predeterminava a forma que ela assumiria. Tanto assim que, a princípio, Washington se valeu da natural solidariedade mundial para que o Conselho de Segurança da ONU autorizasse a invasão do Afeganistão como primeiro passo da cooperação internacional contra o terrorismo. A guinada para o unilateralismo e o catastrófico erro estratégico de priorizar a guerra contra o Iraque ocorreram somente meses depois, no famoso discurso sobre o ‘eixo do mal’.

O precedente serve para demonstrar que não é a circunstância externa a que define o caráter da estratégia de um governo. A coerência e a efetividade da resposta às circunstâncias dirão em última análise se o governo esteve à altura do desafio.

Posto à prova, Bush fracassou em tudo. Deixou inacabada a liquidação da ameaça terrorista, desonrando-se com a tortura. Apesar de estar durando mais que a Segunda Guerra Mundial, a ocupação não estabilizou o Afeganistão e começa a desestabilizar o Paquistão. O desastre se completa com o predomínio regional do Irã, saldo estratégico da guerra do Iraque.

A reconstrução da estratégia passa pela atual etapa discursiva de Obama, que é a parte mais fácil. Depois de um governo extremista, não custa muito repor o pêndulo na posição normal da qual não devia ter saído. Os discursos e os gestos em direção à Rússia, à China, ao Irã, os emissários para a questão palestina e o Afeganistão, os acenos à Cuba, à Venezuela logo esgotarão a fase simbólica.

O problema é que isso não basta para mudar a realidade. O míssil da Coreia do Norte, as provocações iranianas, a deterioração no Paquistão e no Afeganistão, o endurecimento do novo governo israelense, o agravamento do aquecimento global preparam a hora da verdade de Obama. Qual será o evento definidor que o porá à prova? Um novo atentado no coração dos EUA? Um ataque preventivo israelense contra o Irã, um fato consumado nuclear nesse país?

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O teste virá, cedo antes que tarde. Só então é que começaremos a perceber se a esperança despertada pela eleição e pelos primeiros tempos de Obama frutificará em soluções verdadeiras para os problemas que afligem o mundo.

Rubens Ricupero é diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo. Foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda. Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna