Em mais de 15 anos como voluntário na área de atendimento, tratamento e acompanhamento à questão da drogadição (dependência química) no Paraná, percebo a complexidade do tema e os imensos desafios para transpor este grave problema responsável pela degradação da sociedade, das famílias e da essência do ser humano. Os desafios atingem toda a sociedade – poder público, iniciativa privada, ONGs, entidades do terceiro setor, instituições de educação, associações, família. Todos são responsáveis por proporcionar a recuperação, promover a inserção e garantir condições para mudar o patamar de degeneração individual e social.
Há alternativas de cooperação entre setores num movimento de ações para sanar este sério problema que não escolhe classe social ou profissional, opção de gênero e etnia, empurrando o ser humano, a cada novo espasmo químico, ao abismo de si e à plena escuridão social.
No Hospital San Julian, em funcionamento desde 1977, em Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba, que hoje atende a 400 internos, acompanhei de perto o caso de centenas de pessoas absorvidas pelo drama da dependência química. Conheci de perto os problemas e a dramaticidade de inúmeros pacientes. Palestrei ainda para mais de 50 mil pessoas em todo o Paraná, num trabalho para levar informações e apresentar minhas observações sobre o atendimento a pessoas com o problema da dependência química. Nesta jornada de esclarecimento público, realizo ainda uma palestra semanal para uma média de público de centenas de pessoas, dependentes e seus familiares.
Existem cenários incontroláveis, onde o verdadeiro caos social e a degradação humana imperam
Todas essas referências levam-me a compreender a importância, em muitos casos e em situações emergenciais, da internação compulsória. Fatidicamente, pela minha experiência e por estudos sociais e científicos, existem cenários incontroláveis, onde o verdadeiro caos social e a degradação humana imperam, em que fica impossível oferecer outra solução.
Prevista por lei, a internação compulsória é a prática de aplicar meios legais para internar uma pessoa em um hospital, asilo psiquiátrico, enfermaria ou clínica de recuperação, mesmo sem o seu consentimento. Obviamente, esta ação extrema é alicerçada pela decisão judicial e também por diagnósticos de médicos e especialistas.
Temos de tirar o dependente químico do risco da rua e levá-lo a um ambiente seguro e longe das drogas para que, em alguns dias, retome a consciência e aí, sim, possa ser inserido em uma ação social, espiritual e psíquica para cuidá-lo de forma abrangente e dar-lhe opções para não retornar ao vício.
O problema das drogas acomete hoje mais de 20% dos municípios brasileiros. O consumo vai do uso de drogas consideradas legais, como o álcool, tabaco e medicamentos controlados, à ingestão de drogas ilegais como maconha, cocaína ou crack. O pior cenário, de acordo com pesquisa da Unifesp, está nos grandes centros urbanos.
Leia também: Cracolândia (artigo de Carlos Alberto Di Franco, publicado em 5 de junho de 2017)
Entre as drogas ilícitas, o crack é considerada a mais devastadora. Os números mostram que mais de 2 milhões de pessoas experimentaram o crack e existem hoje 370 mil usuários regulares da substância. Esta droga deteriora de forma intensa o cérebro, os neurônios e, em pouco tempo, a saúde mental e a capacidade de discernimento do usuário.
Muitos especialistas defendem, em vez da internação compulsória, processos baseados em abordagens médicas e psicossociais, com a participação das famílias e de grupos de colaboração. Há, neste contexto, ações muito positivas. Contudo, em determinadas situações de extrema gravidade, como a ação de resgate social na Cracolândia, em São Paulo, não restam muitas alternativas. Neste cenário totalmente fora de controle, onde a sociedade sofre o risco do colapso total, a internação compulsória parece, certamente, a ação mais apropriada.
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