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Opinião do dia 2

Quando a justiça é comunitária

O bairro do Sítio Cercado, na zona sul de Curitiba, é considerado o segundo mais violento da região, ficando atrás somente da Cidade Industrial de Curitiba (CIC). Apenas nos dois primeiros meses do ano 14 pessoas morreram assassinadas na região. Quem conhece o bairro sabe que é formado por pessoas trabalhadoras e que têm forte sentimento de pertencimento, gostam do local onde vivem porque sentem-se integrantes da comunidade. A violência, entretanto, em Curitiba é uma realidade. A ausência do Estado, a falta de atenção à população gera uma situação de anomia (ausência de cumprimento da ordem legal em determinado agrupamento social), e agora a ordem dos bandidos para que a população não saia de casa depois de determinado horário tem se tornado comum, segundo matéria divulgada na Gazeta do Povo no dia 22 de abril.

Com altos números de furtos, roubos e homicídios, aliados ao crescente tráfico de drogas, além de ações sociais da prefeitura e pontuais ações de polícia, uma das alternativas para enfrentar essa realidade é envolver e comprometer a comunidade nesse sentimento de pertencimento, motivando a busca de soluções comunitárias. O Projeto Justiça Comunitária do Ministério da Justiça e desenvolvido pelo Instituto Desembargador Alceu Conceição Machado (IDAM) desde 2009 no bairro Sítio Cercado, com ações integradas, pretende modificar esse quadro.

A despeito da violência, basta lembrar que somente em 2009 quando iniciou o projeto, 25 pessoas foram mortas no Sítio Cercado. O principal objetivo do projeto é ajudar a comunidade a refletir, pensar sobre alternativas viáveis. Para isso promove-se a capacitação dos moradores para a mediação e conciliação de desavenças e disseminação da cultura de pacificação social. Para alcançar essa finalidade, o projeto é organizado em três eixos: educação para os direitos, mediação comunitária e animação das redes sociais.

A base desse modelo é proporcionar uma justiça mais acessível e participativa, pois não é possível construir uma justiça mais próxima da sociedade sem a participação da comunidade que melhor conhece os problemas locais. As discussões em torno de uma justiça mais acessível à população, que atenda as demandas sociais, estão se transformando em uma nova realidade. E isso também já pode ser visto no Sítio Cercado, por meio de projetos e políticas sócio-jurídicas, apoiados pelo Ministério da Justiça, com apoio do Tribunal de Justiça, Ministério Público, Escola da Magistratura, que visam atender à promessa de democratização do acesso à Justiça (ordem jurídica justa) e a promoção da igualdade de oportunidades para aceder aos serviços públicos com eficiência e com qualidade.

A proposta da Justiça Comunitária é dar conhecimento aos cidadãos sobre os direitos, sobre justiça, ética, cidadania, utilizando-se de material de apoio e facilitar a conciliação/mediação entre as partes envolvidas em conflitos. Para isso, o conhecimento da realidade social local é fundamental. Por isso o projeto é desenvolvido por meio da aproximação com os líderes comunitários e o incentivo ao conhecimento de métodos não adversariais e autocompositivos de solução das controvérsias (como a negociação a conciliação e a mediação).

Além disso, é possível com ações de justiça comunitária disseminar direitos sociais, direitos humanos, noções básicas sobre a prevenção do alcoolismo e do uso de drogas. Realizar, desenvolver e construir uma cultura de paz, por meio da participação comunitária na resolução de conflitos (empoderamento), visando à emancipação social e redução da violência e das condutas antissociais.

Nesse modelo de justiça, a sociedade civil irá exercer participação direta na resolução dos conflitos, uma vez que os mediadores comunitários foram escolhidos entre os membros da comunidade, privilegiando-se aqueles que mostraram interesse, aptidão e legitimação perante o grupo. Dessa forma, contribuímos para a construção de um sentimento de pertencer a uma causa em prol dos interesses da comunidade, que está relacionado também ao fato assumir responsabilidades conjuntamente, de forma cooperativa, visando ao bem-estar coletivo.

Um dos pontos fortes do Justiça Comunitária é ressaltar aos moradores que somente pela construção de redes sociais, por meio do esforço coletivo e cooperativo, poderemos mudar esse quadro de violência e criminalidade crescentes nas periferias e nas grandes cidades. Essa rede social já está sendo construída, com as parcerias preestabelecidas entre o Ministério da Justiça, o Eurosocial, o IDAM e a própria comunidade do Sítio Cercado. O projeto piloto poderá ser levado a outros bairros da cidade.

Estamos todos comprometidos com a construção de uma sociedade melhor e mais pacífica. Uma comunidade empoderada, esclarecida de seus direitos e deveres, ciente de suas responsabilidades e livre para buscar seu desenvolvimento sustentável local.

Roberto Portugal Bacellar, associado-fundador do Instituto Desembargador Alceu Conceição Machado (IDAM), é juiz de Direito

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