Muito já se escreveu ao longo dos últimos anos, especialmente na imprensa, sobre o intenso grau de polarização política a que chegou nosso país. Desde 2013, como se sabe, com as chamadas Jornadas de Junho, o Brasil vive dividido numa radicalização ideológica cada vez mais cega. A coisa se aprofundou nas eleições de 2014, em que uma margem mínima de votos garantiu a vitória do PT sobre Aécio; avançou com o processo de impeachment em 2016, que depôs Dilma; não arrefeceu com o governo Temer, sobretudo pelos desdobramentos da Lava-Jato, que levaram à prisão de Lula; e chegou finalmente ao seu ápice no ano passado, em que a disputa presidencial transcorreu no mais completo e insuportável clima de guerra civil.
Pouco, no entanto – ou, ao menos, não suficientemente –, penso eu, escreveu-se ainda sobre as grandes (e inusitadas) semelhanças de pensamento que há entre os dois polos radicalizados do espectro político brasileiro. “Pouco se escreveu?” – perguntará o leitor atento – “Mas não é só disso que se fala todo dia? Que bolsonaristas radicais e petistas quatro-cruzes são apenas irmãos siameses uns dos outros? Que a nova direita em ascensão não faz senão repetir os vícios da velha esquerda decadente? Que tanto um lado quanto o outro veem o adversário como inimigo, creem possuir o monopólio da virtude, vivem substituindo o argumento ponderado pela ofensa pessoal e adotando uma postura belicista e apocalíptica?”. De fato, até certo ponto, é assim. A questão, no entanto, é que as similitudes e continuidades entre a destra e a canhota nacionais vão muito além deste nível mais superficial, de práticas e comportamentos exteriores.
Com efeito, chamem-se o quanto quiserem (e sem o menor rigor teórico, é claro) de “comunistas” e “fascistas”, acusem-se mutuamente o quanto for de serem os únicos responsáveis pela destruição do país, o fato é que os dois extremos políticos brasileiros partilham de uma mesma intuição fundamental; identificam, por assim dizer, um mesmo problema e mal essencial no Brasil: a completa falência de nossas instituições políticas. Sem dúvidas, as soluções que para o problema oferecem vão em sentidos bastante diferentes, mas o diagnóstico de fundo é idêntico: o pacto redemocratizante cristalizado na Constituição de 1988 ruiu, ele não está mais à altura dos problemas da pátria, é incapaz de lidar com eles – e um novo modelo, distante o máximo possível da “velha política”, tem de vir à tona.
As soluções para o problema vão em sentidos bastante diferentes, mas o diagnóstico de fundo é idêntico: o pacto redemocratizante da Constituição de 1988 ruiu
Que a realidade seja assim, isto é, que os inimigos mortais nasçam ambos de um solo comum, é o que pretendo demonstrar neste artigo. Em meu último e primeiro texto para a Gazeta, um anos atrás, busquei mostrar como o renascimento do nacionalismo europeu só pode ser devidamente explicado à luz da crise de representatividade que marca aquele continente. Hoje, do mesmo modo, gostaria de propor uma análise neste sentido, só que em relação ao nosso país. Farei isso, no entanto, com uma diferença fundamental: se naquela oportunidade empreendi um longo percurso histórico, que começava rastreando as raízes do pacto democrático-liberal do pós-guerra para mostrar em seguida a sua corrosão posterior, desta vez seguirei um caminho bem mais modesto e direto. Minha análise partirá das duas mais importantes polêmicas políticas da semana que passou: a decisão sobre a criminalização da homofobia no STF e o vazamento, pelo site Intercept, de supostas mensagens delituosas entre o então juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol. Cada qual a seu modo, os dois eventos ilustram bem claramente o que pretendo provar.
O STF e a homofobia
Em primeiro lugar, é preciso deixar claro: não pretendo aqui, de maneira alguma, entrar no mérito propriamente dito das polêmicas em jogo. Assim, por exemplo, pouco interessa à minha argumentação se a hostilidade e a discriminação motivadas por orientação sexual devem receber uma tipificação específica no Código Penal. Igualmente, não discutirei aqui se as mensagens divulgadas pelo Intercept são verídicas e, sendo, se elas configuram efetivamente uma associação criminosa entre juiz e Ministério Público. Todas estas, sem dúvidas, são questões fundamentais e que devem ser debatidas, mas como o objetivo deste escrito é tentar compreender os amplos movimentos de massa que hoje polarizam o país, pouco interessa o mérito das polêmicas. Antes, o que se deve notar é como estas foram percebidas e encaradas pela sociedade. Nosso objeto de pesquisa não é a justiça ou a boa ordem política, mas o imaginário social a respeito da justiça e da boa ordem política.
Tomemos o caso do STF. Seu enredo, a princípio, é bastante específico. Em 2013, o então Partido Popular Socialista, hoje chamado Cidadania, protocolou uma ação no Supremo Tribunal Federal solicitando a criminalização da homofobia e da transfobia. Seu argumento era de que havia nesta matéria uma inconstitucionalidade por omissão, ou seja, de que a falta de uma legislação específica para a proteção dos homossexuais e transexuais violava o texto constitucional, que tem como um de seus princípios básicos a igualdade de todos perante a lei. Em outras palavras, acusava-se o Congresso Nacional de lentidão e insensibilidade para com os direitos de milhões de brasileiros, de modo que uma intervenção do Judiciário se fazia necessária. E como pudemos verificar no 13 de junho último, foi precisamente essa a posição que os juízes do Supremo, por unanimidade, confirmaram com seu voto.
O enredo, como já dito, parece bastante específico. Se o observamos com atenção, no entanto, notamos que não se trata de história nova e particular, mas de apenas mais uma edição da contínua trama a que o país se encontra submetido nos últimos anos: o protagonismo e a centralidade do STF na deliberação de matérias legislativas as mais delicadas e que dividem o país. Foi assim em 2008, na permissão das pesquisas com células-tronco embrionárias. Foi assim em 2011, na legalização das uniões homossexuais. Foi assim em 2012, na liberação do aborto em caso de feto anencefálico. E será assim certamente também nos próximos anos, uma vez que já tramita no Supremo ação protocolada pelo PSol (Partido Socialismo e Liberdade), exigindo a legalização do aborto até 12 semanas em todo e qualquer caso, conforme a vontade da mãe, sob a alegação de que a atual legislação é inconstitucional, pois viola a liberdade da mulher. Aliás, a deliberação sobre porte de drogas está igualmente no radar, tendo já alguns ministros proferido seus votos.
Leia também: Amizade em tempos de polarização (artigo de Caio Morau, publicado em 22 de outubro de 2018)
Naturalmente, em todos esses casos, observa-se um mesmo padrão. Primeiro, há um conflito na sociedade: de um lado, a ampla maioria da população, moralmente conservadora, intuitivamente rechaça inovações progressistas na lei, seja em termos da instituição familiar, seja em termos de proteção do direito à vida; de outro, grupos progressistas minoritários, mas muito bem organizados, mobilizam constantemente a sociedade civil, através dos meios de comunicação, para o debate sobre esses temas, sempre com o intuito de modificar a mentalidade dominante. Feito o primeiro embate por certo tempo, parte-se então para a esfera propriamente política e busca-se transformar as leis através de votações no Congresso Nacional. O conflito, porém, se agudiza: a maioria conservadora se articula, sobretudo por meio das bancadas de orientação religiosa, e as mudanças desejadas pela esquerda identitária não passam. Insatisfeita, esta então recorre ao Supremo, argumentando que o que está em jogo não é apenas uma divergência política qualquer, mas a proteção de certos direitos fundamentais.
À exceção do uso de células-tronco embrionárias, que foi aprovado no Congresso Nacional e levado ao Supremo por um Procurador Geral da República que queria proibir tais pesquisas, em todos os outros exemplos citados, o trâmite foi precisamente este: inconformados com o seu fracasso em levar adiante no Congresso as pautas que lhe são caras, representantes da esquerda progressista mudaram de estratégia e levaram seus pleitos à Justiça, onde enfim foram atendidos. Do ponto de vista dos seus apoiadores, nada mais correto, afinal, segundo pensam, “o Brasil não pode ser refém de um legislativo atrasado e de uma população conservadora que não respeito as diferenças”. Do ponto de vista dos críticos, por sua vez, trata-se, evidentemente, de uma artimanha injusta e ilegal, uma vez que o papel de criar leis é dos deputados e senadores, não dos juízes, e que “se a esquerda pensa que o povo está errado”, dizem, “ela que aprenda a convencer o povo, ao invés de se utilizar de um Corte técnica, em que 12 pessoas indicadas e não eleitas querem contrariar a vontade da população sem ter sido escolhidas para a isso”. Não à toa, foi precisamente este o tom do presidente Jair Bolsonaro logo após a decisão do STF.
Seja como for, fica aqui provado, em parte, o nosso ponto: para parte expressiva da esquerda brasileira, preocupada cada vez menos com questões de classe e econômicas (direitos trabalhistas, projeto nacional de desenvolvimento, intervenção do Estado na economia, seguridade social, etc.) e cada vez mais com questões comportamentais e de costumes (aborto, uniões homossexuais, teoria de gênero, etc.), as instituições políticas do nosso país fracassaram. Não é mais ao sistema político que se confiam as grandes decisões e controvérsias nacionais, mas ao Poder Judiciário, encarregado de tutelar a nação. Se há ou não bons argumentos jurídicos que justifiquem essa postura, pouco importa aqui. Se as decisões concretas tomadas pelo STF a respeito foram benéficas, também não. O que interessa salientar é o que estes eventos mostram: um imaginário de profunda descrença na estrutura de poder estabelecida. Vejamos agora como o mesmo fenômeno se faz presente à direita.
Sérgio Moro e o STF
Em um país cujo cenário político mais se assemelha a uma série de tevê americana, com sucessivos episódios semanais cheios de eventos bombásticos e reviravoltas difíceis de crer, o povo brasileiro recebeu mais uma vez surpreso, no último dia 9 de junho, uma dessas inúmeras notícias de impacto. Veio à tona naquele domingo, pelo site jornalístico Intercept Brasil, a primeira leva das supostas conversas realizadas entre 2015 e 2017, por meio de aplicativo de mensagens, entre o então juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça, e o agente do Ministério Público Federal Deltan Dallagnol, principal responsável pela Operação Lava-Jato. Nas conversas, segundo o site, Moro estaria orientando a parte acusadora do processo a respeito de como realizar melhor o seu trabalho, tomando assim partido dela contra a defesa e contradizendo, portanto, uma das normas mais básicas do sistema judiciário – a necessária imparcialidade do juiz no processo.
As dois polos radicalizados que esgarçavam a política nacional nascem ambos de um solo comum
Desnecessário dizer, o que se formou a partir das reportagens do site de Glenn Greenwald foi um verdadeiro furacão na opinião pública. De pronto, criaram-se inúmeras perguntas, muitas das quais, diga-se, ainda sem resposta satisfatória. De fato, são verdadeiros os diálogos divulgados pelo Intercept? Sendo verazes, estão eles publicados de modo razoável e justo ou foram descontextualizados e eventualmente adulterados para se adequar à narrativa pré-concebida de Greenwald, um jornalista multipremiado, mas reconhecidamente de esquerda? Mais: sendo verdadeiras, como foram obtidas as trocas de mensagens privadas? O site afirma que sua fonte é anônima e que, mesmo que não o fosse, seu sigilo está protegido legalmente pelo princípio da liberdade de imprensa. Moro e o MP, por seu turno, acusam ter sofrido nos últimos meses vários ataques de hackers, o que obviamente é crime.
No meio de toda esta confusão, entretanto, um aspecto, especificamente, é o que mais chama a atenção daqueles que desejam compreender o imaginário social polarizado que se apoderou do política brasileira nos últimos anos: a completa indiferença e desprezo com que as bases populares de apoio ao governo e à direita receberam a denúncia do Intercept.
Que elas questionassem a validade de uma reportagem aparentemente sem provas e produzida por um jornalista publicamente hostil ao governo, é óbvio, estaria dentro do script. Que elas denunciassem a atitude criminosa de quem hackeia autoridades públicas e clamassem por investigação rigorosa, também. Não é só isso, porém, que foi feito. Vendo-se diante da possibilidade de que Greenwald prove suas alegações e de que o conteúdo das mensagens seja fidedigno, a opção da maior parte da direita brasileira, bolsonarista ou não, foi simplesmente afirmar que não havia ali problema algum, que estava tudo certo e que se Sérgio Moro havia dito aquilo de que o acusavam, então ele definitivamente não era criminoso, mas um herói.
Para citar um exemplo, este foi o caso, entre outros de Caio Copolla, comentarista político conservador e defensor usual do governo Bolsonaro, ao comentar o evento logo no dia 10 de Junho, um dia depois dos primeiros vazamentos: “O que é que foi essa conversa entre o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol? Eles falam sobre ações penais, não é? E discutem a melhor estratégia para acusação e julgamento. De quem? De pais de famílias trabalhadores? Não! De bandidos, pô”, disse Copolla de viva voz em sua participação no programa Morning Show, da rádio Jovem Pan. Postura idêntica de minimização do conteúdo polêmico pôde ser verificada em basicamente todo o espectro hostil à esquerda: pôde-se vê-la em Guilherme Fiúza, inclusive para esta Gazeta do Povo, em Álvaro Dias, senador paranaense pelo Podemos, no site conservador Senso Incomum, entre outros. O mais importante, porém (e aquilo em que iremos nos focar): não é apenas nas falas de articulistas ou de líderes políticos que as acusações de Glenn Greenwald foram desacreditadas, mas também e principalmente nas próprias bases sociais da direita, isto é, entre as pessoas comuns – o que, aliás, pôde ser facilmente verificado nas redes sociais ao longo da última semana.
É neste corte, naturalmente, que cabe recordar o enfoque em termos de imaginário social que propomos neste texto. Tal como ao examinar as polêmicas atinentes ao STF, pouco importam aqui as tecnicalidades jurídicas ou argumentos sofisticados que podem ser utilizados para defender Moro e Dallagnol. O povo comum, a gente simples não domina o repertório do Direito. E o fato objetivo, é que, sendo verdadeiras, as conversas do Intercept são, sem dúvida alguma, ao menos à primeira vista, escandalosas. Ou há quem não tenha se chocado em absolutamente nada com as supostas mensagens de um juiz que aparentemente sugere testemunha à acusação, lhe indica um melhor processo investigativo e – o que talvez soe mais surreal – até aconselha uma agente do MP a fazer um curso de retórica, para que aprenda a falar e argumentar melhor num processo do qual o próprio conselheiro fazia o julgamento? Não obstante tudo isso, entretanto, e mesmo cogitando a possibilidade dos vazamentos serem verídicos, a ampla massa da direita em nada fraquejou seu apoio à operação Lava-Jato e ao atual ministro da Justiça. Na verdade, talvez até o tenha aumentado.
Pois bem, e o que motivou esta postura? Ora, precisamente o que tenho salientado desde o começo deste artigo: a completa e absoluta descrença na legitimidade e no valor das instituições políticas brasileiras. “Diante de um Estado tão podre como o do Brasil, com esquemas e mais esquemas de corrupção em todos os níveis de poder, com uma classe de governantes da pior espécie” – dizem muitos populares à direita – “qual é o sentido de se preocupar tanto com princípios abstratos e formalismos jurídicos? Isso apenas vai estimular a impunidade”. “A Operação Lava-Jato desbaratou o maior esquema de desvio de dinheiro público da história do país, quiçá do mundo” – questionam outros – “As pessoas vão querer mesmo, com base em meia-dúzia de conversas, colocar em risco os seus avanços históricos e ter talvez de soltar Lula, Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão?”. Não casualmente, foram sobretudo perguntas desse tipo que o jornalista Glenn Greenwald teve de responder em sua primeira entrevista após a polêmica, ao programa Pânico no Rádio.
Leia também: Liberdade para pensar além da bandeira (artigo de Davi Melo, publicado em 9 de junho de 2019)
Em síntese, boa parte da massa mais conservadora, que forma a audiência cativa do governo, não apenas não viu nada demais nas conversas do Intercept, mas, além disso, considerou que, mesmo que haja algum excesso ali, isto é irrelevante, uma vez que os benefícios da Operação são muito maiores. Novamente, pois, ainda que do lado oposto da disputa, encontramo-nos perante a mesma mentalidade que motivou o apoio à criminalização da homofobia pelo STF: o poder político nacional não tem sido capaz de exprimir o que é justo, mas a sociedade não pode esperar; portanto, a solução do problema tem de vir de fora do poder político – da instância judiciária –, ainda que um ou outro ato questionável se cometa no caminho. Especialmente simbólica deste imaginário é a suposta afirmação de Moro vazada pelo Intercept que não apenas não foi criticada pelos bolsonaristas, como também terminou a mais elogiada: “Ainda desconfio muito de nossa capacidade institucional de limpar o Congresso. O melhor seria o Congresso se auto limpar mas isso não está no horizonte.”
Um país em crise
Demonstrado está, neste ponto, aquilo a que nos propomos desde o início: os dois polos radicalizados que esgarçavam a política nacional nascem ambos de um solo comum, a dura crise de representatividade porque passa a democracia brasileira. Dito de outro modo, eles não são as causas da doença, mas os sintomas. É inútil buscar tratá-los enquanto se desconhece a causa de fundo. Concretamente, é perda de tempo pedir moderação e razoabilidade ao debate público enquanto uma descrença tão profunda com relação às instituições, manifesta pela primeira vez com clareza naquela avalanche de 2013, prosseguir no ar. O que tem sido questionado radicalmente nos últimos seis anos não é simplesmente o governo a ou b, a política econômica c ou d, esta ou aquela maré em termos de costumes. O que tem sido denunciado e atacado, à direita e à esquerda, é o próprio pacto fundador da moderna democracia brasileira, construído nas lutas pela derrocada do regime miliar e consubstanciado na Constituição Cidadã de 1988. Uns acusam este pacto de ser excessivamente conservador, outros de ser excessivamente progressista. Ambos o odeiam.
Certamente, não será preciso lembrar ao leitor da Gazeta o quanto este ódio e esta crise têm de ambíguo e paradoxal: podem tanto promover transformações estruturais prudentes, que efetivamente saneiem o Estado brasileiro, como também, o que parece mais provável, precipitar o país em um conflito social cada vez mais agudo e bastante propício para rupturas institucionais e aventuras autoritárias nos próximos anos. Não à toa, vimos o que vimos em 2018: Fernand Haddad e Hamilton Mourão propondo, em plena corrida eleitoral, uma nova Assembleia Nacional Constituinte, enquanto Guilherme Boulos, candidato do PSol, apresentava a implementação da democracia direta, com constantes consultas populares – plebiscitos e referendos – como a grande panaceia universal. Pelo mesmo motivo, também vemos o que vemos neste ano: um presidente de péssima relação com o Congresso, discussões infindáveis sobre a “velha” e a “nova política”, protestos de rua contra o Centrão, bloco parlamentar federal mais importante, e Olavo de Carvalho, o ideólogo maior do atual governo, fazendo posts no Facebook propondo a Bolsonaro “o mecanismo político mais eficiente e quase infalível já registrado na História”: “a aliança do governante com a massa popular para esmagar os poderes intermediários corruptos e aproveitadores”.
Se este não é um cenário de agudíssima crise de representatividade, com um sistema político em colapso e sem a menor legitimidade perante a população, o que é? Tomamos o caso Intercept e o último julgamento do STF como matéria de exemplo só por comodidade, nada mais – afinal, como se vê, o problema é bem mais vasto. Seja como for, paramos por aqui. O intento deste artigo não foi propor remédios, mas tão-somente apenas oferecer diagnóstico preciso. As possíveis receitas de medicamento ficam para uma próxima oportunidade.
Pedro Ribeiro é professor de filosofia e mestrando em filosofia política pela UERJ.
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