| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

Vivemos em tempos intolerantes. O sujeito não pode expressar uma opinião séria e ponderável que, por ser divergente do mainstream acadêmico ou da opinião pública, logo passa a receber um cardápio de rótulos estultificantes: qualquer-coisa-fóbico, ultra-isso-ou-aquilo, supremacista, radical ou reacionário. Todos os episódios de intolerância a que assistimos frequentemente revelam o afã de uns por controlar a forma de pensar e de atuar dos demais.

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Recentemente, numa palestra, ouvi, acompanhado de uma indignação performática, a afirmação de que seria “antipoliamorista” (?!?) pelo fato de defender a monogamia constitucional no casamento e na união estável. Esse tipo de intervenção retórica, manejado pelas técnicas do envergonhamento (shaming) e da rotulagem (labeling), é um exemplo perfeito e acabado da vontade de usar métodos coercitivos, desde a ação estatal ao escárnio público, com o claro propósito de impedir o debate e silenciar quem defende uma opinião distinta daquelas consideradas aceitáveis num ambiente social progressista.

Aliás, a tônica desse atual ambiente não se coaduna com o que dele poderia se esperar. Em suas fontes clássicas, os ideais progressistas sempre buscaram a tutela dos direitos individuais junto ao governo e à lei e o fomento das liberdades de expressão e de consciência, como fizeram Thomas Jefferson na defesa da Primeira Emenda e Stuart Mill nas linhas mestras de sua principal obra filosófica.

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Eis o progressismo de nossa era. O progressismo antiprogressista

Hoje, os fautores do progressismo defendem que, em busca do tão sonhado igualitarismo, a versão deturpada da igualdade, é preciso ir além dos limites constitucionais, dos direitos individuais e das garantias democráticas, meros detalhes a serem solapados, quando o importante é que todos sejam iguais não só nas oportunidades, mas também nos resultados.

Essa turma bem engajada faria Jefferson e Mill removerem-se no túmulo, ao menos a julgar pelos exóticos expedientes “progressistas” já criados: “censura universitária” em cerimônias de colação de grau superior; ”linguagem de ódio” que impede a crítica da visão de sexualidade defendida pelo movimento LGBT; “alertas de conteúdo” para ideias que possam incomodar alguns adultos que ainda não superaram suas suscetibilidades juvenis; “mentalidade antinatalista”, que, além da “educação sexual” escolar, anticoncepcional, preservativo, pílula do dia seguinte, ainda quer promover o aborto “seguro”, sem falar dos boicotes públicos a produtos ou serviços de uma empresa quando seu dono resolve abrir a boca na hora errada para defender qualquer pauta tida como conservadora.

Eis o progressismo de nossa era. O progressismo antiprogressista. Existe uma versão dura, como aquela empregada em Cuba e Venezuela, utilizada para perseguir jornalistas e fazer calar dissidentes políticos. E, também, uma versão branda: os censores apresentam-se, frequentemente, como progressistas e, inclusive, operam dentro de sistemas democráticos e comprometidos com a legalidade.

Contudo, tais censores acreditam piamente que a democracia liberal e o Estado de Direito resultam insuficientes para se chegar à igualdade absoluta e, por isso, alguns mecanismos “corretivos” demandariam ser implementados. Em outras palavras, é preciso dar o pulo do gato: quebrar mais alguns ovos para que a torta progressista possa ser terminada e servida na mesa de suas causas clássicas.

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Rodrigo Constantino: Churchill e Orwell: a luta pela liberdade (publicado em 22 de maio de 2018)

Leia também: A segregação voltou com tudo ao câmpus, e os acadêmicos esquerdistas fizeram isso acontecer (artigo de Walter E. Williams, publicado em 30 de setembro de 2018)

O feminismo não mais procura dar às mulheres os mesmos direitos políticos, civis e trabalhistas, porém visa ao combate das estruturas de dominação misógina e da cultura do estupro. A luta contra o preconceito racial não foca mais em garantias legais de igualdade de tratamento e de oportunidade, mas se concentra nas cotas, no racismo sistêmico e na discriminação positiva. O ambientalismo não está mais preocupado com a conservação e o uso racional dos recursos naturais, porque seu objetivo, agora, é o de salvar o planeta da superpopulação e da mudança climática.

Mesmo diante desses tipos de desvirtuamentos utópicos, parece perfeitamente admissível quebrar mais alguns ovos. O problema é que, para a mentalidade do progressismo antiprogressista – o progressismo que não só flerta com a intolerância, mas se apoia nela, por ser um bem em prol das causas defendidas –, sempre mais e mais ovos serão necessários.

Até que a torta desande na preparação ou morram todas as galinhas da granja. Mas não adianta. Quando se bate o olho na receita e logo se nota que ela é ruim, não há pulo do gato que resolva. Ou, nesse caso, mais ovos.

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André Gonçalves Fernandes, Ph.D., é professor-pesquisador, membro da Academia Campinense de Letras e do Movimento Magistrados pela Justiça.