Membros da Força Nacional patrulham entorno do complexo de favelas da Maré, no Rio| Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
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Na tarde do dia 5 de dezembro, a menina Kamila Vitória Aparecida de Souza, de apenas 12 anos, foi assassinada durante uma troca de tiros entre facções criminosas na Favela do Guarda, em Del Castilho, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Uma cena tristemente comum na cidade maravilhosa, mas que, mais uma vez, expôs o farisaísmo dos mais ferrenhas e engajadas ONGs “defensores dos direitos humanos”.

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Sempre que um fato dessa natureza envolve a participação de forças policiais, os "sumos sacerdotes" dos institutos, fundações e ONGs de direitos humanos prontamente pontificam suas encíclicas e dogmas de sua religião secular: as polícias são organizações opressoras, engajadas em operações que miram as populações negras e pobres, promovem genocídio e funcionam sob uma ótica opressora e violenta. Ou qualquer outra ladainha nesse sentido.

Engajadas na luta pelo desarmamento da população e pela criação de um ambiente de paz social e respeito à vida, essas entidades deixam de condenar, em seus manifestos ou nas pregações para a mídia, as verdadeiras forças que oprimem e matam negros, pobres, ricos ou qualquer pessoa que se levante contra seu domínio

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Na esperança de encontrar alguma coerência no discurso desses defensores e ONGs dos direitos fundamentais humanos, apressei-me a consultar as páginas oficiais de mais de 20 organizações engajadas na defesa dos direitos humanos. Para minha completa decepção, mas não surpresa, constatei que, mesmo após alguns dias do trágico episódio, nenhuma delas emitiu sequer uma nota em protesto pela morte da pequena Kamila.

As mesmas ONGs de direitos humanos que estão sempre prontas para condenar toda uma classe profissional ao inferno social e político, mesmo antes de qualquer investigação apurar a responsabilidade de agentes policiais, ignoram de forma abjeta o papel das facções criminosas e milícias na opressão e morte das pessoas que afirmam defender.

Engajadas na luta pelo desarmamento da população e pela criação de um ambiente de paz social e respeito à vida, essas entidades deixam de condenar, em seus manifestos ou nas pregações para a mídia, as verdadeiras forças que oprimem e matam negros, pobres, ricos ou qualquer pessoa que se levante contra seu domínio em comunidades ou bairros tomados por suas forças bélicas. Parece que as armas de fogo só representam um problema quando estão nas mãos da polícia ou de cidadãos que desejam proteger suas vidas e famílias.

Uma pesquisa do Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e realizada em 2024, revelou que mais de 23 milhões de brasileiros vivem em regiões dominadas por milícias ou facções do tráfico de drogas. Mas, para nossos "sacerdotes da justiça" das ONGs de direitos humanos, o grande mal em terras tupiniquins continua sendo as "opressoras" forças policiais. A morte de Kamila não se encaixa nos preceitos de suas crenças. Talvez por isso, o sofrimento de sua família não mereça a atenção desses supremos ícones da luta pelos direitos e garantias fundamentais.

Jamais defenderia a ideia de que as forças policiais estão isentas de cometer erros, às vezes até crimes. E, nesses casos, devem ser criticadas e cobradas pela sociedade e pelos defensores dos direitos humanos. O que assombra é a seletividade e a hipocrisia da indignação dessas organizações e de seus membros, que não conseguem – ou não têm coragem – de apontar os verdadeiros culpados pelo caos da criminalidade que vivemos em nossa nação.       

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Parece que, para corrigir seu modelo de atuação, os atuais defensores dos direitos humanos precisam considerar um ensinamento do principal opositor dos fariseus, conhecidos como símbolo de hipocrisia por seus discursos contraditórios. No evangelho de Mateus, encontramos o versículo: "Por que reparas o cisco no olho de teu irmão, mas não percebes a viga que está no teu próprio olho?". Remover as vigas ideológicas de seus próprios olhos pode ser o caminho para que esses defensores reconheçam quem são os verdadeiros inimigos da população e de onde realmente vêm a opressão e a violência sistêmica.

Luiz Fernando Ramos Aguiar é major da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), especialista em segurança pública e colunista da revista Blitz Digital.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]