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Quando os eleitores de Trump votam nos democratas

 | Alex Wong/AFP
(Foto: Alex Wong/AFP)

Ainda que os republicanos tenham grandes esperanças de manter pelo menos o Senado depois destas eleições intermediárias, uma parte do país já indica que será brutal com o partido: o Cinturão da Ferrugem. Agora em novembro, os democratas podem conquistar a região que foi essencial para a vitória chocante de Donald Trump em 2016. A perspectiva de o fiel da balança voltar a pender para o lado azul revela o verdadeiro significado da eleição de Trump, há dois anos.

Na votação passada, e nesta também, os eleitores da região declararam uma insatisfação profunda que persiste mesmo em tempos de economia próspera, porque está baseada em algo que é cultural e fortemente regional: o colapso da comunidade.

Nas pesquisas, os democratas estão mostrando uma vantagem enorme na disputa para governador na Pensilvânia e no Michigan, e têm grandes chances de levar a melhor em Ohio e Wisconsin – os quatro estados da área que, depois do voto azul de 2012, apostaram nos republicanos em 2016 e levaram Trump para a Casa Branca.

O quadro é semelhante na briga pelas cadeiras do Senado entre os representantes locais: os democratas vão vencer fácil em Ohio, Pensilvânia e Michigan, e é provável que levem Wisconsin também.

A eleição de Trump, há dois anos, foi considerada um “realinhamento” dos brancos da classe operária da região, tanto rurais como suburbanos, mas o fato é que esses estados não parecem estar se reorganizando em nada.

A eleição de Trump, há dois anos, foi considerada um “realinhamento” dos brancos da classe operária

Vejamos o Wisconsin: seis condados rurais da porção noroeste que votaram em Barack Obama em 2008 e 2012, elegeram Trump em 2016. A mudança de opinião desses quase quinze mil eleitores representou dois terços da margem da vitória estadual.

Já na eleição especial de janeiro deste ano, os democratas levaram a vaga do Senado Estadual, que era republicana. Enquanto isso, as pesquisas na Universdade Marquette mostram que o governador Scott Walker, republicano, está em desvantagem em relação ao adversário democrata nessa parte do estado, e a atual senadora democrata, Tammy Baldwin, lidera as intenções de voto com folga.

É fácil apontar que os eleitores do Cinturão da Ferrugem se irritaram com o presidente, e que a classe trabalhadora se chateou porque Trump não recuperou a grandeza dos EUA. Acontece que não se trata do presidente: Trump ainda tem um índice de aprovação extraordinariamente alto entre seus correligionários. O problema é que ele conquistou o eleitorado para si, e não para os republicanos.

Uma pesquisa realizada pelo Wall Street Journal, em meados de outubro, mostrou que, em comparação com as intermediárias no primeiro mandato de Obama, é menos provável que os eleitores estejam votando para “mandar um recado” sobre o presidente (de 36 para 31 por cento); desta vez, parecem estar enviando uma mensagem ao próprio partido.

E qual é essa mensagem? Qual exatamente o motivo de insatisfação que resulta na frustração eleitoral com o partido da situação? Afinal, a Pensilvânia e o Michigan têm um índice de desemprego de 4 e 4,1 por cento, respectivamente; o Wisconsin então, festeja 3 por cento. Ohio é o pior do grupo, mas ainda assim tem um nível historicamente baixo, 4,6 por cento. Entretanto, para entender o descontentamento, é preciso ir além das dificuldades econômicas.

Os condados que trocaram Obama por Trump tinham um desempenho ruim nos medidores mais amplos de “bem-estar”, segundo um estudo típico que quis saber dos moradores seus níveis de felicidade e otimismo. Revelador é o fato de que, nos mesmos condados em que os índices de insatisfação eram maiores, o número de eleitores que trocaram Obama por Trump foi mais alto. E não é surpresa nenhuma constatar que o sujeito que disse que “o sonho americano está morto” teve um desempenho excepcional nas comunidades onde a esperança e o otimismo já tinham se exaurido há tempos.

Senão, vejamos: Sawyer, no noroeste do Wisconsin, teve uma migração de quase 20 pontos de Obama para Trump, em 2016, teve também o maior índice estadual de mortes por overdose naquele ano; Fayette, ao sul de Pittsburgh, na Pensilvânia, um condado decididamente operário, onde somente 15 por cento da população acima de 25 anos têm curso superior, o que equivale à metade do índice nacional. Obama e John McCain praticamente empataram nesse condado rural de maioria branca em 2008; em 2016, Trump ganhou com uma margem de quase dois para um, resultando em uma virada de 22 por cento.

Visitei Uniontown, cidade sede do governo regional, um pouco antes das eleições de 2016, e encontrei não só uma clientela pró-Trump unânime no Smitty’s Bar & Restaurante, como um alheamento geral. O clichê da simpatia interiorana norte-americana não era evidente ali.

“Em Fayette só tem heroína e pílulas”, um rapaz me disse.

“Eu nem converso com os meus vizinhos”, comentou o bartender,. “O que mora no andar de baixo tenho quase certeza que é traficante. O do lado tem todo o jeito de ser charlatão”.

“Deixo uma pistola 22 sempre do lado da porta. Não confio em ninguém do meu prédio”, revelou um homem que bebericava uma vodca com tônica.

Entre os 67 condados da Pensilvânia, Fayette fica com o sexto menor índice de “capital social”, de acordo com o Comitê Econômico Conjunto do Congresso. Os outros cinco piores também confirmaram uma virada pró-Trump na casa dos dois dígitos em 2016.

Este ano? Vamos ter de esperar até o dia das eleições, mas os números disponíveis até agora revelam nova reviravolta: cerca de 6.800 democratas do condado de Fayette compareceram às primárias de maio, comparados com 4.800 republicanos, ainda que esses últimos tenham tido uma disputa acirrada e os democratas, não.

O baixo nível de confiança social e engajamento cívico definiram os locais onde a mudança de voto foi mais significativa – e porque ele foi uma expressão de alienação e insatisfação, e não de fidelidade partidária, muitos desses lugares certamente vão alterar sua escolha novamente para dar aos democratas a vitória estadual.

Entretanto, é um erro achar que as idas e vindas eleitorais ocorrem da mesma forma em todo lugar. Os fortes laços comunitários que definem os bolsões de classe média-alta, com altos índices de escolaridade superior, e consolidam a fidelidade partidária de uma comunidade, simplesmente não existem nesses desertos suburbanos e rurais de capital social. Eles não têm ligas esportivas juvenis, nem associações de pais e mestres participativos, nem governos locais dinâmicos a que as regiões corporativas estão acostumadas.

Os lugares de grandes oscilações políticas, como o condado de Fayette, também não têm as fortes instituições religiosas presentes em zonas mais conservadoras, como Western Michigan e Salt Lake City. Segundo o Grupo de Estudos Eleitorais, a base correligionária de Trump nas primárias republicanas era basicamente religiosa, mas com eleitores menos propensos a frequentar a igreja do que outros eleitores republicanos, o que confirma outro sinal de distanciamento da comunidade.

Não é surpresa que Trump não consiga resolver os problemas desses eleitores; nenhum presidente tem condições de solucionar questões tão locais quanto o colapso das instituições comunitárias. E a vida nesses lugares afastados é tão deprimente que não é surpresa que as pessoas continuem votando em quem quer que lhes ofereça um mínimo de esperança.

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