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Quanto custa um direito?

Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, na cerimônia de promulgação da Constituição de 1988.
Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, na cerimônia de promulgação da Constituição de 1988. (Foto: Arquivo Agência Brasil)

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A noção de cidadania tem sido reforçada cada vez mais nos últimos tempos na sociedade brasileira, que possui como principal base jurídica a Constituição Federal de 1988. Apesar da evidente nobreza de intenções no sentido de garantir o maior número de direitos para o número mais amplo possível de integrantes da comunidade nacional, o país insiste em evitar uma discussão madura sobre ponto crucial para o futuro do país: o custo dos direitos.

Há um debate sempre presente no Brasil a respeito do tamanho do ente estatal, ainda que não necessariamente sejam abordados nos argumentos os pressupostos relevantes que podem levar ao aumento ou à diminuição da estrutura do Estado. Um dos principais elementos olvidados nessas reflexões é o regramento constitucional do país. Por ser a principal norma nacional, ponto de contato entre o direito e a política, não é possível pensar qualquer solução razoável para o problema proposto sem considerar os pontos positivos e negativos do referido documento.

Considerada uma Constituição de compromisso entre as correntes políticas muito diversas que fizeram parte de sua elaboração no momento inicial da redemocratização, a Carta de 1988 estabeleceu rol bastante elevado de direitos com o intuito de garantir o maior número possível de conquistas individuais e coletivas após o período de restrição de liberdades e carestia social provocada pela inflação. Além do evidente custo para a prestação adequada dos direitos sociais (saúde, educação, moradia etc.), o respeito aos direitos individuais também demanda recursos financeiros, pois a manutenção de estrutura policial e judiciária, por exemplo, é essencial para que sejam garantidas a vida, a propriedade e a liberdade. Não há que se dizer, portanto, que apenas os direitos coletivos geram despesas.

Carta de 1988 estabeleceu rol bastante elevado de direitos com o intuito de garantir o maior número possível de conquistas individuais e coletivas após o período de restrição de liberdades e carestia social.

Nota-se, com efeito, que a discussão deve girar sobre a existência de um Estado suficiente (para cumprir a Constituição). Caso a sociedade decida pela diminuição do peso do ente estatal na vida de cada cidadão, necessariamente deverá refletir sobre os direitos que se dispõe a financiar, prescindindo de algumas situações para beneficiar outras. A opção por uma miríade de direitos é incompatível com uma estrutura estatal enxuta. Os recursos são escassos e a escolha sobre a respectiva alocação está vinculada, em certa medida, às determinações constitucionais, o que demonstra a intrínseca ligação entre as searas jurídica e econômica.
Importante observar, outrossim, que a existência de previsão de direitos sem que estes sejam concretizados pode produzir efeitos de grande nocividade à vida pública do país. A consequência mais evidente é o surgimento de campo fértil para que viceje o populismo e ocorra a ascensão de demagogos à direita ou à esquerda no espectro político. É o que se tem percebido claramente nos últimos anos, por variados motivos, em diversos continentes. O ressentimento oriundo da frustração de expectativas é a força motriz para que os instintos dos cidadãos sobreponham-se à aceitação de qualquer discurso racional, algo extremamente perigoso para a democracia.

A sociedade brasileira necessita, em suma, discutir de forma madura, sem adjetivações, o tipo de ente estatal que pretende ter à disposição. A existência digna de qualquer ser humano é fundamento da República (artigo 1.º, III, da Constituição) e deve constituir o farol que ilumina as decisões políticas, especialmente em uma comunidade formada por tantas pessoas vivendo em situação de pobreza, como ocorre no país. Para isso, a estrutura constitucional é fator central a se considerar para o debate, partindo-se da constatação de algo que, muitas vezes, é relegado a segundo plano: todo direito tem um custo e é dever do cidadão responsabilizar-se por tal financiamento.

Elton Duarte Batalha, advogado e doutor em Direito, é professor de Direito e pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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