O que ocorre no debate sobre as 40 horas é o resultado da forma míope como debatem nosso futuro, olhando só para o imediato e vendo apenas a parte tradicional e material da economia
A atual disputa pela jornada de 40 horas mostra como é possível que os dois lados em disputa estejam ambos errados. De um lado, os opositores à ideia se apegam à aritmética de que menos horas de trabalho significa menos produção e, portanto, menos riqueza, ou que a redução das horas aumentará os custos provocando elevação nos preços.
Assim, deixam de considerar a riqueza implícita no lazer do trabalhador ao dispor de quatro horas por semana para suas atividades lúdicas, sua convivência familiar e o exercício da cultura. Viciados na ideia de que a riqueza só existe quando produzida materialmente e vendida no mercado, os opositores da jornada reduzida não percebem a riqueza maior que existe na disponibilidade de tempo livre para cada pessoa. Esquecem também que o avanço técnico pode permitir produção crescente com menos mão de obra.
Do outro lado, os defensores da redução da jornada não percebem que a lei não surtirá efeito. A redução da jornada de 44 para 40 horas vai manter os trabalhadores na mesma jornada, apenas recebendo horas extras para manterem a produção no mesmo patamar. Isso por uma razão simples: o Brasil não dispõe de mão de obra qualificada para substituir quase 10% de redução da jornada. Com o baixo nível educacional e de formação técnica no Brasil, as vagas surgidas não serão preenchidas. A vantagem da redução da jornada será um aumento salarial, sob forma de horas extras, o que é uma vantagem financeira para o trabalhador, mas pode provocar aumento no custo de produção a ser transferido pelo capitalista aos próprios trabalhadores sob a forma de aumento nos preços, ou por conta da redução na produção. Inflação causada pelo custo aumentado ou oferta diminuída.
A redução na jornada de trabalho, seja diária, seja pelo aumento no período de férias, é um objetivo justo, correto, desejado e que ocorrerá necessariamente ao longo do futuro. Mas deve ser objetivada de fato com o aumento do tempo livre à disposição do trabalhador, e não como um artifício para aumento (justo também) de salário. E ela só será viável e eficiente se vier acompanhada de dois fatores: um avanço tecnológico que permita reduzir jornada sem necessidade de reposição do trabalho e um salto educacional que permita casar as novas vagas com a qualificação profissional dos desempregados. Se essas condições forem preenchidas, a jornada reduzida ou as férias ampliadas são bandeiras justas, eficientes, viáveis. Um objetivo que fará o país mais rico pelo valor do tempo livre, sem perda de produção, sem aumento de gastos e com ampliação da mais fundamental das riquezas: tempo livre para o exercício livre.
Favoráveis ou contrários não percebem que a redução só será plena depois de uma revolução na educação, que permita o desenvolvimento tecnológico com elevação da produtividade para permitir redução da jornada sem perdas e a disseminação da formação para permitir substituição de um trabalhador por outro.
De qualquer forma, as lutas para redução da jornada provocam o debate e quem sabe despertem para um problema que está além do número de horas extras que os trabalhadores atuais vão trabalhar. Como as cotas que despertam a população para o assunto da negritude no Brasil.
O que ocorre no debate sobre as 40 horas é o resultado da forma míope como debatem nosso futuro, olhando só para o imediato e vendo apenas a parte tradicional e material da economia. Por isso mesmo fica inviável criar as bases de uma redução eficiente da jornada, porque não se vê o caminho da educação. É uma pena que não se veja sindicatos lutando para construir a base necessária da redução da jornada, pela qual eles lutam.
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Cristovam Buarque é professor da Universidade de Brasília e senador pelo PDT/DF.
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