• Carregando...

"Tinha todos os climas, todos os frutos, todos os minerais e animais úteis, as melhores terras de cultura, a gente mais valente, mais hospitaleira, mais doce e mais inteligente do mundo – o que precisava mais? Tempo e um pouco de originalidade". Nessa indagação silenciosa do Major Policarpo Quaresma, transcrita pela pena de Lima Barreto, só seria necessária uma correção para descrever o que falta para que nos tornemos uma potência esportiva mundial: "tempo e um pouco de organização".

No desempenho dos atletas brasileiros no Pan – cujos pontos culminantes para mim foram a afirmação de uma nova geração de ginastas de nível internacional, com Jade Barbosa à frente, e o ouro do futebol feminino – repousa a prova de que quando um mínimo de organização é oferecido aos talentos individuais, os frutos vêm logo e são abundantes. No caso de Jade e dos ginastas, é sempre bom lembrar que a ginástica brasileira deve muito a alguns idealistas e abnegados de primeira hora. É de justiça recordar que a equipe treina em Curitiba, no centro de excelência de nível internacional instalado durante o governo de Jaime Lerner. No do futebol, infelizmente, ainda falta muito para valorizar o talento das meninas, muitas das quais foram encontrar apoio em clubes do exterior.

Já disse isso, aqui mesmo neste espaço, e vou repetir: divirto-me muito ao lembrar de algumas teorias "científicas" a respeito do esporte. Quando o Brasil foi jogar a Copa do Mundo na Suécia, em 1958, o temor principal era com os soviéticos, que – rezava a lenda – eram treinados com técnicas secretas aplicadas por especialistas altamente qualificados. Pois bem: o Brasil colocou em campo contra a URSS um time cujos atletas nunca tinham jogado juntos, pois metade da equipe havia sido substituída depois do desempenho medíocre dos dois primeiros jogos. Garrincha, que não era exatamente um exemplo de eugenia, com suas pernas tortas que desafiavam a medicina esportiva, e Vavá, que contrariava os padrões de elegância dos grandes craques, jogando de meias arriadas para mostrar que não tinha medo de botinada, destruíram o cientificismo soviético em pouco mais de 20 minutos. Lembro-me também da aura respeitosa que cercava a formação dos ginastas do Leste Europeu, que eram separados da família aos 7, 8 anos, para serem entregues a grandes especialistas e moldados para serem campeões. Agora, sem muitas cerimônias nem salamaleques, temos uma Daiane dos Santos, uma Jade, um Diego Hypólito. Do vôlei, nem se fala.

Que falta então? Um mínimo de organização do esporte que, de uma maneira geral é território fértil para a bagunça e falta de profissionalismo, o mare nostrum do cartolismo e em alguns casos da corrupção.

Quando vi as meninas americanas recebendo a medalha de prata, no futebol, veio à minha mente um pensamento: sou capaz de jurar que todas ou quase todas elas estão na universidade, no "college", freqüentaram boas escolas (quase que certamente públicas) desde muito cedo, onde encontraram, além do ensino, recursos e estímulos para brilhar no esporte. A interligação entre as duas áreas é uma constante da vida americana: os grandes ídolos do basquete profissional nasceram nas ligas esportivas do ensino médio e passaram – quase que invariavelmente – pelo basquete universitário. O mesmo ocorre no futebol americano, no baseball, no hockey... As escolas, desde o ensino fundamental até a universidade, investem no esporte não apenas como elemento de prestígio e de marketing mas, igualmente, por verem nele uma ferramenta de promoção e de integração social e racial. Aqui no Brasil, o esporte nas escolas públicas e privadas é de uma mediocridade assustadora e no nível universitário simplesmente não existe.

Ao lado das americaninhas bem nutridas e estudadas, no centro do pódio estavam as nossas moreninhas, mulatinhas e pretinhas saboreando humildemente uma vitória muito suada e sofrida. Não a vitória nos campo, pois essa foi até fácil para um grupo que derrotou todos os adversários facilmente, sem sofrer nenhum gol. Estavam também celebrando uma vitória muito mais suada e sofrida, contra a falta de oportunidades, pois não tiveram o privilégio de freqüentar gratuitamente boas escolas para aperfeiçoar seus talentos, construir sua personalidade e ampliar seus horizontes dentro do esporte e fora dele.

Razão tem meu amigo Hugo Mengarelli, que diz elegantemente, com a autoridade de quem nasceu na Argentina, a pátria de um grande futebol que a sorte dos campeonatos mundiais é o Brasil ser tão desorganizado pois, se não o fosse, teria de haver uma categoria "hors concours" para nossa seleção. Mas este comentarista do programa "Cobras e Lagartos" ( exibido pela tevê da UFPR) pode ficar tranqüilo: ainda será necessário muito tempo e muita originalidade para aprendermos essa lição tão simples.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]