Incêndio fora de controle em Nova Santa Helena (MT), no final de agosto| Foto: João Laet/AFP

Em meio a incêndios e o desabamento de barragens, emerge na imprensa, como possível causa dessas mazelas – e de outras, como a corrupção –, a carência de uma cultura no país de gestão de riscos, como um novo mantra elucidativo de nossas crises diárias. Essa visão, não de panaceia, mas de uma das causas, é coerente com as ocorrências infelizes citadas, na falta de previsibilidade diante das possibilidades negativas, mas também da inércia em se adaptar após o leite derramado, mostrando que risco é um tema emergente, para além de modismos.

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O problema reside na cultura e (fato) a cultura se modifica. De forma lenta e gradual, ou impulsionada por rompantes de questões desastrosas, que induzem o crescimento de mecanismos de resposta aos riscos, nos órgãos de controle que se fortalecem diante da corrupção que eclode, ou ainda, de normas e fiscalizações que se endurecem diante de grandes catástrofes. Mas por que temos a impressão de que no nosso país essa reação não se dá a contento?

Uma hipótese a ser trabalhada é a de que a fragilidade pátria na questão da gestão de riscos tem raízes na predominância de um certo pensamento mágico em relação ao pensamento científico, analítico e baseado em evidências.

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Sendo mais específico, "risco" são os fatores adversos que afetam os objetivos, sendo valorados pela probabilidade de ocorrência e pelo seu impacto nos objetivos quando se materializam. Este é um consenso sobre o assunto baseado nas normas internacionais.

Para se gerenciar o risco, ele precisa deixar de ser incerto, e ter as suas probabilidades e impactos estimados

Para se gerenciar o risco, ele precisa deixar de ser incerto, e ter as suas probabilidades e impactos estimados, a fim de que possa ser objeto de avaliação e tratamento. Isso se faz com a análise dos processos e suas etapas, identificando os fatores que podem atuar e de que forma eles podem fazê-lo, propondo tratamentos e realimentando o processo por meio do monitoramento das medidas de resposta ao risco implementadas.

Parece simples, mas essa ação demanda uma visão analítica, de decomposição, de comparação com cenários e de valoração, baseado em evidências do que já aconteceu e do que pode acontecer. Uma visão que demanda um pensamento focado nos aspectos da mente humana que tem uma racionalidade com essas características.

O pensamento mágico é simplificador, reduz a causa das coisas a um determinismo superior ou a um senso comum; em aspectos da mente de um raciocínio rápido e mais reflexo (menos reflexivo), na qual as respostas ao risco ou são instintivas, como fugir, ou são do reino do transcendente, como esperar, agradecer ou temer. O pensamento mágico tem uma visão submissa e passiva diante do risco, enquanto o pensamento científico tem uma abordagem interventiva.

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Hipócrates, há 2,5 mil anos, citado por Carl Sagan no seu livro clássico O mundo assombrado pelos demônios, uma bíblia do ceticismo, dizia que “os homens acham a epilepsia divina, simplesmente porque não a compreendem... mas, se chamassem de divino tudo o que não compreendem, ora, as coisas divinas não teriam fim".

A falta de compreensão mais aprofundada de um processo e de seu contexto leva a uma simplificação destes em relação à questão da gestão de riscos; de modo que, diante de um filho que vai à balada, um genitor analisa a trajetória do jovem, identifica os riscos e propõe a ele que leve no bolso um preservativo. O outro genitor, diante dos riscos do sexo casual, grita efusivamente: “Vai com Deus”, jogando tudo na conta do transcendente.

Em tempos de pós-verdade, de discursos e versões que fazem emergir medos, paranoias e fantasias, a falta de uma visão analítica dos processos, mormente da gestão das políticas públicas, pode trazer uma deficiência na gestão de riscos que simplifica aspectos relevantes ou superdimensiona riscos pouco relevantes, gerando controles para dar conta desses riscos que são caros e pouco efetivos, dissociando esse processo do mundo real.

Passado o incêndio, o desastre, vem o medo, com a sua racionalidade específica, e se apodera dos cidadãos, que mudam seus hábitos e vociferam pela responsabilização de pessoas. Mas isso dura pouco e voltamos à mesma rotina, tratando os riscos de outrora da mesma forma, esperando a próxima ocorrência. Uma visão analítica, sistêmica e contextualizada pode ser o que falta para a nossa sociedade avançar nesse sentido, mas isso mexe com aspectos enraizados da cultura das organizações, e que exigem também uma atuação no sistema de ensino, com resultados apenas no médio prazo.

Marcus Vinicius de Azevedo Braga é doutor em Políticas Públicas.

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