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Uso de máscaras na pandemia não adiantou
Imagem ilustrativa.| Foto: Bigstock / galitskaya

No final de 2020, surgiu a variante Gama do vírus SARS-CoV-2, até quanto se sabe, no estado do Amazonas. Em pouco tempo, essa variante da Covid-19 se espalhou pelo Brasil, causando a segunda onda da pandemia, com milhões de novas infecções e com pelo menos 350 mil vítimas fatais. Em seu auge, a segunda onda de Covid apresentou uma taxa de infecção 70% mais alta que a observada em 2020. Pior ainda, a taxa de mortalidade subiu 300%, e de forma desproporcional entre jovens adultos.

Não há dados para todos os estados, mas em São Paulo, por exemplo, a razão entre o número de mortes e o número de casos de Covid-19 (taxa de fatalidades por casos), aumentou mais de quatro vezes nesta faixa da população, ou seja, a proporção de jovens adultos vitimados pela doença em relação a proporção de jovens adultos infectados, foi quatro vezes maior do que a observada nos primeiros 9 meses de pandemia. Isso significa que a variante Gama não somente infectava com mais facilidade, mas também, e, principalmente, matava muito mais jovens.

Não é incomum a ideia de que se tivéssemos confinado mais, mascarado mais e vacinado mais, teríamos mitigado a tragédia da segunda onda da epidemia.

A maioria dos óbitos de Covid-19 ocorreu nos poucos meses da segunda onda da doença, vítimas da variante Gama, sendo que boa parte de suas vítimas eram pessoas com menos de 50 anos (20% das vítimas no estado de São Paulo). Como comparativo, a proporção de óbitos de jovens adultos (<50 anos) na Suécia, onde nunca houve confinamento ou mascaramento obrigatório, foi de apenas 1,2%.

Por que surgiu uma variante de Covid-19 mais virulenta e mais letal na segunda onda da pandemia? É preciso contextualizar. O surgimento de mutantes virais não foi exclusivo do Brasil. As variantes Alfa, Beta e Delta, entre outras, surgiram em outros continentes e também possuíam maior capacidade de transmissão e/ou virulência. Todavia, fomos “premiados” com a mais, se não uma das mais virulentas formas do vírus que já surgiu. Nenhuma das variantes mencionadas teve tal poder de destruição como a Gama teve.

Não é incomum a ideia de que se tivéssemos confinado mais, mascarado mais e vacinado mais, teríamos mitigado a tragédia da segunda onda da epidemia. A terceira afirmação é, provavelmente, correta, mas lembremos que vacinas sequer existiam, ou apenas começaram a ser aplicadas mundo afora, quando a segunda onda eclodiu em Manaus, em dezembro de 2020. Mas, ao contrário do que foi e continua sendo propagandeado de que o presidente, que era contra o confinamento forçado, fechamento das escolas e mascaramento geral, foi, na minha análise, uma das responsável pelas mortes da pandemia.

Meu argumento é o de que, se tivéssemos seguido uma linha menos coercitiva e menos autoritária, a devastação da segunda onda teria sido menos trágica. Os motivos para essa afirmação podem ser divididos em dois grupos: (1) efeito do confinamento sobre o surgimento e a disseminação da variante Gama; (2) efeitos colaterais do confinamento e demais medidas ineficazes sobre a saúde geral da população.

O confinamento forçado e o uso maciço de máscaras foram um grande experimento, do qual nós fomos as cobaias. Nunca antes na história, tais técnicas medievais foram aplicadas de forma tão ampla. Hoje, há pilhas de evidências de que o experimento falhou miseravelmente. Há um estudo que calculou a morte de 171.000 pessoas, somente nos EUA, devido ao confinamento.

Retornando à questão do surgimento da variante Gama, a seleção natural, que rege boa parte da evolução de todas as entidades biológicas, explica como estas se adaptam ao meio. A seleção natural se aplica também a vírus respiratórios, que normalmente se difundem na população de forma livre. O confinamento forçado e imperfeito – e todos os confinamentos forçados são inevitavelmente imperfeitos – selecionou variantes do vírus SARS-CoV-2 com capacidade aumentada de propagação. Isto porque, nessas condições, o vírus encontra dificuldades para se propagar, ou seja, por causa do confinamento há menos indivíduos suscetíveis circulando e transmitindo o vírus.

Portanto, se surgir uma variante com uma ou mais mutações que facilitem a propagação do vírus nessas condições adversas para o vírus, esta terá uma vantagem seletiva sobre os demais vírus circulantes. De fato, a variante Gama do SARS-CoV-2 alberga mutações que conferem uma carga viral aumentada e maior poder de transmissão. Em outras palavras, indivíduos infectados com a variante Gama produziam mais unidades virais, aumentando, assim, a propagação da variante na população.

É possível que se as recomendações de autoridades feitas em 2020, de não confinar, não fechar escolas e negócios e não obrigar o uso de máscaras tivesse sido seguida, teríamos evitado o pior da pandemia.

O principal problema é que a maior carga viral causa também uma doença mais severa e um vírus que causa doença severa diminui as suas chances de propagação, pois isola e eventualmente mata o seu hospedeiro. Como é possível observar, a virulência é uma faca de dois gumes para o vírus. Porém, em condições de confinamento, a vantagem seletiva do vírus mais virulento fica evidente, já que ao se reproduzir com maior eficiência dentro do organismo hospedeiro, libera mais virions e compete, portanto, com maior eficiência com as outras variantes que produzem menos unidades virais.

Os efeitos negativos do confinamento não param por aí. Mesmo se o confinamento não tivesse favorecido o surgimento da variante Gama, ainda assim ele teria causado mais danos do que benefícios, principalmente aos jovens adultos que foram posteriormente infectados na segunda onda da Covid-19. Durante o período de confinamento, houve uma deterioração geral da saúde dos jovens confinados, seja por falta de lazer e esporte, seja por menor exposição ao sol que contribui para a produção de vitamina D, ou pelo aumento de peso ou sobrepeso, consequência da permanência em um espaço fechado por longos períodos de tempo, ou de consumo de alimentos de baixa qualidade nutricional, que também aumentou durante este período.

Outra consequência do confinamento foi a menor exposição às variantes do coronavírus que poderiam ter conferido uma reação imunológica cruzada e protegido, ainda que parcialmente, contra a infecção da variante Gama. É amplamente conhecido o fato de que muitas pessoas não se infectaram com o SARS-CoV-2 pré-omicron, muito provavelmente porque elas apresentavam uma resposta imunológica adquirida anteriormente pela infecção com outros tipos de vírus aparentados com o SARS-CoV-2.

Os confinados foram privados da exposição a variantes menos letais do SARS-CoV-2 que circulavam antes do surgimento da variante Gama. A exposição a essas variantes teria conferido imunidade completa ou parcial à variante Gama, ou seja, mesmo se esses jovens tivessem sido infectados posteriormente pela variante Gama, eles teriam tido uma resposta imunológica, ao menos parcial e, consequentemente, uma doença mais branda.

Um último ponto, que raramente é discutido, é o papel adverso das máscaras. Ao contrário do que foi propagandeado, o uso de máscaras pode ter causado um aumento na transmissão viral. Nos melhores estudos clínicos (randomizados e controlados), nos quais os participantes são orientados quanto ao uso correto de máscaras e outras medidas de proteção sanitária, foi constatado que máscaras têm efeito nulo ou muito baixo sobre a transmissão de vírus respiratórios.

O uso generalizado de máscaras em uma população que nem sequer foi orientada em relação aos procedimentos corretos para o seu uso, está propensa a sofrer os seus efeitos negativos. Por exemplo, cria-se uma sensação de falsa segurança, fazendo com que as pessoas não tomem cuidados que são realmente efetivos, como a ventilação de ambientes fechados, por se acharem protegidas pelas máscaras. De fato, sendo o uso de máscaras compulsório, é evidente que milhões de pessoas foram infectadas pelo vírus enquanto portavam máscaras! Ou seja, máscaras falharam milhões de vezes. Além disso, publiquei recentemente evidências de que em países com maiores taxas de mascaramento, houve também maiores taxas de morte por COVID.

Em suma, é possível que se as recomendações de autoridades feitas em 2020, de não confinar, não fechar escolas e negócios e não obrigar o uso de máscaras tivesse sido seguida, teríamos evitado o pior da pandemia. Termino esse texto com a pergunta inicial em aberto: quem é o verdadeiro genocida responsável pela tragédia brasileira da COVID, quem nos confinou e nos mascarou ou quem defendeu a nossa liberdade?

Beny Spira, doutor em genética molecular pela Universidade de Tel-Aviv e pós-doutor na Universidade de Sydney, é professor do Departamento de Microbiologia da USP.

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