Em 2015, o governo autorizou o aumento da tolerância do peso dos caminhões nas rodovias brasileiras, uma das alterações da Lei dos Caminhoneiros. De lá pra cá, quatro anos depois, já é possível fazer um diagnóstico dos prejuízos. E, sem saber (ou escolher), quem paga essa conta é o usuário ou contribuinte – ou seja, você e eu.
Em um primeiro momento, para a classe de transportadores, a mudança significava economia. Transportar mais produtos em uma mesma viagem. Mas uma boa definição de economia é aquela que apela aos custos invisíveis. Em 2015, estrategicamente, o governo não teve essa visão. A economia momentânea significou prejuízo no longo prazo, um prejuízo diluído dentre todos os usuários.
Infelizmente, a pressão venceu a razão. A dependência massiva do transporte rodoviário fez o governo ceder. Essa ação comprometeu a segurança viária e encareceu – e muito – a manutenção das estradas brasileiras.
A ação de grupos de pressão organizados gera resultados que favorecem poucos à custa de muitos
À época, a atitude vinha carregada de boas intenções. Atender uma classe que clamava por melhorias, algumas delas justas, evidentemente. Mas o grande problema foi empacotar, junto com outras demandas, uma ação que prejudicou o próprio setor. Frequentemente, boas intenções conduzem a maus resultados. A sabedoria popular ensina: o inferno está cheio de boas intenções.
Manipular boas intenções é uma arte. Políticos e grupos de pressão são mestres nela. Interesses de grupo raramente se assumem publicamente; eles se camuflam na retórica do bem comum. O resultado é certo: a ação de grupos de pressão organizados gera resultados que favorecem poucos à custa de muitos. Isso fica claro nesta situação.
Mas afinal, qual o problema de aumentar a tolerância de peso? O problema é a física. Quanto maior o peso por eixo, maior a pressão do pneu no asfalto. Quanto mais pressão, mais deformação do pavimento. Quanto maior a deformação, menor a durabilidade. Quanto menor a durabilidade, mais investimentos são necessários. O que talvez não seja claro para todos é que restaurar estradas não é barato. O custo médio é de R$ 1,2 milhão por quilômetro, de acordo com a tabela Sicro de janeiro de 2018. Esses custos podem aumentar bastante, dependendo da demora para realizar as intervenções necessárias.
VEJA TAMBÉM:
Nas estradas sob a gestão pública, o problema tem seu impacto na má qualidade dos pavimentos. Dificilmente haverá caixa para restaurar o asfalto, o que contribui para a péssima qualidade de nossa malha viária – que, quando muito, tem seus buracos tapados. No médio prazo, a solução se torna novamente problema, pois os caminhões passam a circular em estradas ruins. Na melhor das hipóteses (considerando que haja restauração), o contribuinte acabará pagando pelo desgaste.
Já nas estradas delegadas à exploração privada a questão é mais sensível. Nesses casos, o desgaste do pavimento faz com que investimentos que não estavam previstos originalmente sejam feitos para preservar a qualidade do pavimento. Isso conduz à chamada “quebra da equação econômico-financeira do contrato”. Como a mudança decorre de decisões públicas, sobre as quais o concessionário não tem ingerência, os custos decorrentes da decisão de o Estado flexibilizar a tolerância ou mesmo se omitir na fiscalização devem ser recompostos. Para isso, ou a tarifa aumenta, ou outros investimentos são suprimidos, ou o prazo de concessão é estendido (podendo se combinar as alternativas).
De um jeito ou de outro, o usuário da rodovia pagará pela benesse dada. Na economia não existe almoço de graça, mesmo quando quem paga a conta nem percebe isto.
Bernardo Strobel Guimarães, advogado, é mestre e doutor em Direito do Estado e professor da PUCPR.