Uma sombra paira sobre os conselhos profissionais. Os servidores assustados com a possibilidade da perda da estabilidade e outras regalias estatutárias não podem ouvir falar um número: “108”.
A Proposta de emenda Constitucional 108 altera um artigo da Constituição Federal, criando os artigos 174-A e 174-B; com isso, a hoje confusa jurisprudência sobre a natureza jurídica, servidores, funções e poderes dos conselhos profissionais terá uma determinação constitucional clara e, a princípio, aplicável.
A PEC propõe a liberdade como regra, permitindo a regulamentação somente quando comprovadamente necessária; a separação entre público e privado, transformando os conselhos em entidades definitivamente privadas; maior economia para estes, com adoção do regime CLT; e regulamentação partindo de representantes eleitos do povo. E isso causa medo em instituições de um Brasil cartorial, ainda preso à Segunda Revolução Industrial.
O medo dos conselhos, como o de outras estruturas burocráticas mundo afora, é o de perder sua razão de ser e os lucros que a acompanham. São os conselhos que garantem a qualidade dos serviços, afirmam, utilizando o poder de polícia a eles conferido. No entanto, quem elege os componentes diretores de conselhos profissionais não é o povo, ou seus representantes eleitos, e sim os membros de certa categoria profissional.
Regulamentações profissionais elevam artificialmente o custo de entrada no mercado; desta forma, a concorrência fica prejudicada. Além disso, desloca-se a proteção da qualidade de um sistema difuso e natural para a avaliação de conselhos que não buscam o melhor para o consumidor, pois não são esses seus clientes; dessa forma, os profissionais já estabelecidos impedem a entrada de novos competidores, ficando livres para cobrar preços muito mais altos, sem se preocupar com a concorrência.
Quem garante – como vimos com os aplicativos de transporte – a melhor qualidade do serviço para o consumidor é o próprio consumidor em suas escolhas de compra. Nos últimos 30 anos, tivemos uma radical mudança na quantidade e qualidade de informação acessível à população. As ferramentas para a melhor escolha estão na mão dos consumidores. Os serviços, produtos e produção mudaram radicalmente desde a promulgação da Constituição Federal. O Estado não pode legislar para o passado; nossos olhos devem estar focados no presente e para a frente. Devemos compreender que o mundo é cada vez mais uma sociedade de confiança e menos uma sociedade burocrática; programadores são por diversas vezes mais requisitados (e têm melhores salários) que engenheiros, sem nunca terem pisado em uma faculdade.
Algoritmos e – principalmente – a capacidade do consumidor de comparar dois produtos e escolher o melhor para ele transformam a necessidade de uma regulamentação profissional em algo que já não faz sentido.
Regulações profissionais (mas não só elas) têm um papel importante na baixa qualidade e alto preço dos serviços e produtos brasileiros. O resultado destas reservas é sempre uma oferta menor e, como consequência, menor qualidade, preços mais altos e desestímulo à inovação, esse motor de melhoria de nossa qualidade de vida, pois, como disse Mises, “nenhuma inovação jamais teria sido realizada se seu autor precisasse de uma autorização daqueles de cujas doutrinas e métodos ele queria se desviar”.
A PEC 108, como a MP da Liberdade Econômica, legisla para a frente, esquece o Brasil cartorial e pensa no Brasil da confiança e, com muito trabalho, da prosperidade.
Ítalo Cunha é advogado e fundador do Cunha Law e da Processo Fácil empreendedor.