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Opinião do dia 2

Querem oficializar o calote

O precatório judicial constitui título representativo de dívida certa. Portanto, é de se presumir que seu pagamento está garantido pelo erário. Afinal a solvência do Estado é certa. Ou, ao menos, deveria ser. Temos, pois, que a recusa do pagamento é absolutamente compatível com a moralidade administrativa.

O Estado arrecadador, em ato de calote, recusa-se a liquidar os precatórios. No entanto, exerce esforço descomunal na pretensão de recebimento da exação fiscal, obrigando o seu credor ao pagamento do que lhe é devido, sem reconhecer sua própria obrigação de pagar, descumprindo sua condenação judicial.

As cortes já têm pacificado o entendimento da possibilidade de aceitação do precatório em penhora, com força no entendimento da Lei 6.830/80 e do artigo 656 do Código de Processo Civil. No entanto, aceita-os como compensação somente após a histórica decisão monocrática do ministro Eros Grau no RE/550400, que atribuiu poder liberatório aos precatórios de natureza alimentar. Aliás, não seria justo que os precatórios comuns (décimos – artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ADCT, § 2°) tivessem qualquer privilégio sobre aqueles, de natureza especial.

Neste contexto, o constituinte ao editar a Emenda Constitucional n.° 30, preveniu que, à exceção dos créditos de pequeno valor, os de natureza alimentar, aqueles previstos no artigo 33 e também os que tinham seus valores liberados ou depositados em juízo e ainda os não pagos até 14 de setembro de 2000 poderiam ser quitados em até dez parcelas iguais, anuais e sucessivas, tornando-os similares no que refere ao exercício do direito à sua cobrança. Com tal prescrição, cada uma das parcelas vencidas e não pagas nos respectivos vencimentos terão poder liberatório para o pagamento de tributos.

Em princípio, poder-se-ia interpretar que os precatórios alimentares, apesar do esforço para torná-los especiais e privilegiados, estariam fora do alcance do artigo 78 e, em razão desta ressalva, acabou-se também afastando-os da regra prevista no § 2.° desse dispositivo. Ou seja, por tal recomendação, esses créditos eventualmente não liquidados perderiam o caráter liberatório.

Tal anomalia literária, agora através do Poder Judiciário, estaria corrigida e ambos os créditos não satisfeitos em seus vencimentos devem receber o mesmo grau de liquidez.

Outra questão de destaque é que os detentores dessas verbas prometidas pelo Judiciário, ao se verem desatendidos e verem desrespeitado o Judiciário, desapontados e desmotivados com a demora do recebimento de seus direitos, algo que se soma à falta de previsão, vendem no mercado seus precatórios com grande deságio. Essa prática também é uma pauta para o exercício de interpretações pelo Judiciário, a não recebê-los com simpatia, pondo restrições eventuais ao seu uso.

Frise-se que o Supremo Tribunal Federal também se pronunciou de forma definitiva sobre o fato de a Constituição Federal não impor limitação alguma aos institutos da cessão e da compensação. Os poderes liberatórios para pagamento de tributos estão alinhados no artigo 78, caput e § 2° do ADCT, em redação dada pela Emenda Constitucional n.° 30.

Por fim, como todo ato de comédia dos governantes em nome do povo e de seus interesses, foi apresentada por um desinformado eleito pelo cidadão a famosa Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 12. Essa besteira tem o propósito de derrubar todos os princípios constitucionais ora estabelecidos, tamanha sua violência em afronta a todos os princípios que regem a administração pública. É como um rolo compressor que amassa qualquer princípio da independência e harmonia dos poderes. A PEC 12 quer de volta a irresponsabilidade dos governantes que desobedecem às decisões judiciais sem nenhuma sanção. Até que se aprove tal disparate contra o cidadão e contra a estrutura jurídica e legal do país, quem puder faça sua aposta na solução de seus contenciosos fiscais através dos precatórios, alimentícios ou décimos vencidos. Há de se esperar do Judiciário a costumeira justiça.

Fábio Ciuffi é advogado tributarista

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