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Apesar do declarado repúdio do presidente Lula à idéia, começa a se formar entre os hierarcas do governo petista um tipo de "queremismo" pernicioso e letal para nossa democracia, a "tenra plantinha", como dizia Otavio Mangabeira, que mal e mal completou a maioridade sem ser pisada por alguém. É o tal do 3.º mandato para Lula, embalado no prestígio pessoal do presidente e na boa conjuntura econômica do país. E não se iludam: como não faltou ao "Pai dos Pobres", Getúlio Vargas, em 1945, um Hugo Borghi capachildo pronto a levantar a bandeira do continuísmo, não faltarão agora os Borghi do século 21, tão oportunistas e desprovidos de senso histórico quanto o original, para incensar o Pai da Bolsa Família e aguçar nele a tentação do continuísmo.

Não há porque duvidar das convicções democráticas do presidente Lula que, ao longo dos seus cinco anos nunca atropelou as instituições democráticas mais do que fizeram seus antecessores. Abusou de Medidas Provisórias? É verdade, mas Fernando Henrique Cardoso abusou também. Tratou o baixo clero do Congresso como um bazar onde tudo pode ser comprado? Os outros presidentes que o antecederam também o fizeram, mesmo porque encontraram goelas ávidas para receber um petisco, uma prebenda, um cargo oficial, uma concessão de estação de rádio. Foi leniente com a corrupção? Aí o governo de Lula não encontra paralelos na história conhecida do país mas, de novo, sejamos justos, a polícia e o Ministério Público não têm sofrido cerceamentos ostensivos para apurar os malfeitos e, pelo menos, levar os fatos ao conhecimento público.

Mas a mesma solidez de convicções democráticas não existe em esferas muito altas do poder e um bom exemplo é a forma pela qual vêm sendo interpretadas por altas figuras do governo e do PT as manobras continuistas de Hugo Chávez (prenúncio das futuras manobras de Evo Morales, Rafael Correa...) como fatos naturais da vida política, "detalhes", peculiaridades das democracias tropicais. Ora, esse tipo de "democracia" que emascula o sistema representativo substituindo-o progressivamente pelos mecanismos plebiscitários, que se baseia no personalismo de líderes supremos, "jefes", "comandantes" ou o que quer que seja, que transforma os parlamentos em meras casas homologadoras das decisões do executivo, que aplica a mão pesada sobre a imprensa não-domesticada, é velha conhecida de quem se deu ao trabalho de se informar sobre a história política do mundo. E essa gente que começa a articular um queremismo pró-Lula, até por dever de ofício ou de formação escolar, estudou sim a história política com muita atenção para poder pretextar ignorância.

Ou será que algum deles ignora o processo pelo qual as democracias sucumbem e os totalitarismos florescem? Na Itália, cujos políticos estavam desmoralizados ao fim da Primeira Guerra, não foi difícil a Benito Mussolini empolgar a opinião popular com a promessa de salvação nacional que transformou o seu minúsculo Fasci di Combattimento na máquina totalitária do fascismo. Aclamado popularmente, tomando o poder dentro das regras democráticas, logo, logo veio a imposição das leis autoritárias que o parlamento acovardado homologou e em seguida a descaracterização do regime parlamentar. Aliado à terapia do óléo de rícino e do cacete no lombo dos adversários, a estratégia mussolinista se revelou perfeita para implantar um regime ditatorial, favoritista e corrupto até a medula, que durou mais de vinte anos e acabou como se sabe.

Na Alemanha, desmoralizada pela derrota na Primeira Guerra, pela inflação e a ineficiência da República de Weimar, Adolf Hitler não chegou ao poder apenas nos braços dos camisas pardas: chegou ao poder dentro das regras democráticas, escolhido pelo venerável presidente Hinderburg para salvar a Alemanha do caos econômico e da desordem política. Apoiado maciçamente pela população, Hitler logo viu o espaço para desmoralizar o parlamento, votar leis de conveniência, cercear progressivamente as liberdades civís, implantar o regime de partido único, massacrar os adversários, cometer os crimes mais hediondos. Deu no que é bem conhecido.

Vamos deixar o presidente Lula governar em paz os três anos que lhe restam de mandato e consagrar-se como um político populista que ao passar a faixa presidencial ao seu sucessor terá propiciado ao país um avanço dramático exatamente por ter resistido às tentações associadas ao populismo e ao endeusamento personalista.

Exagero? Alarmismo? Catastrofismo, como certamente irão bradar os néo-queremistas e os simpatizantes da democracia à moda venezuelana? Não. Há, sim, paralelos entre as situações. E os Borghi da vida, prontos a qualquer sabujice para continuar a desfrutar do poder são inevitáveis em qualquer lugar. Portanto, é bom botar as barbas de molho.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.

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