Não é de hoje que as questões envolvendo pré-embriões, embriões, feto e recém-nascidos têm ocupado espaço nos principais periódicos em todo o país. Nada de mais natural, eis que as discussões são apaixonantes e dizem respeito, invariavelmente, ao início da vida humana. Tal é o caso de uma decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em outubro de 2006, admitindo que o nascituro, aquele ser já concebido mas ainda não nascido, possa ir a juízo pleitear a realização de exame pré-natal a sua genitora, recolhida na prisão (TJSP, agravo de instrumento, câmara especial, rel. des. José Cardinale).
No tocante à possibilidade de o nascituro ir a juízo, a jurisprudência tem se pronunciado favoravelmente. Em outra decisão, o mesmo tribunal já havia admitido a possibilidade do nascituro propor ação de investigação de paternidade (TJSP, apelação cível n.º 193.648, rel. des. Renan Lotufo). Na verdade, o Tribunal de São Paulo, tanto no caso da investigação de paternidade quanto no do exame pré-natal, não fez outra coisa senão aplicar expressamente o que está disposto no artigo 2.º do Novo Código Civil: "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro".
Assim, o TJSP deu prova de um verdadeiro pragmatismo legalista ao permitir a antecipação do exercício do direito à propositura de uma ação para um período anterior ao do nascimento com vida. E o fez acertadamente, em nosso entender, pois o nascituro tem interesse e legitimidade para o ajuizamento de ação objetivando a realização dos exames, eis que ninguém mais do que ele tem interesse em um nascimento saudável.
Porém, isso não quer dizer, necessariamente, que a Corte tenha entendido que o direito do feto de propor a ação adviria do fato de que a vida humana começa antes do nascimento, o que talvez seja, de fato, o entendimento de alguns julgadores.
O que importa saber é que o tribunal não se pronunciou sobre do início da vida humana, mas sim sobre o início do exercício dos direitos da pessoa humana que, segundo a lei civil, pode dar-se antes do nascimento com vida, a partir da concepção. O que, para nós, significa dizer que exercício de um direito não está vinculado à existência do seu sujeito. Aquele pode ser exercido antes do aparecimento deste, desde que satisfeitas determinadas condições. E outra não poderia ser a solução dada pelo Tribunal de São Paulo, apoiada no Novo Código Civil. Isso porque o artigo 2.º do Novo Código Civil diz a partir de quando se pode exercitar um direito, e não a partir de quando a pessoa humana poderá exercer o seu direito. Afinal de contas, do ponto de vista científico, não se sabe, ao certo, quando a vida inicia. Existem mais de 17 critérios apoiados em fases diversas do desenvolvimento embrionário, que vão da concepção até o nascimento com vida. Daí porque seria uma tarefa muito difícil, tanto para o legislador quanto o julgador, dizer quando inicia a vida humana.
Para o direito, no caso comentado, o importante era saber a partir de quando se pode dar o exercício de uma prerrogativa de ordem jurídica. E, quanto a isso, o tribunal foi explícito no sentido de que esse momento pode dar-se a partir da concepção.
Erickson Gavazza Marques é advogado especialista em Biodireito e membro da Sociedade Brasileira de Bioética.
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