O racismo de classe explicitado nas eleições brasileiras deste ano ultrapassou os limites da convivência civilizada. Autorizar-se a exibir ostensivamente preconceito social, discriminação regional, superioridade étnica em relação à categoria social dos pobres, ao contrário do que se pensa, não é um direito autêntico da sociedade democrática. Por quê? Porque pressupõe e defende hierarquias "naturais", "culturais" e, com base nelas, cria duas classes de pessoas: os politicamente competentes e os politicamente incompetentes.

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O racismo de classe funciona conforme a mecânica perversa de todo o preconceito. Enquanto no racismo tradicional o sentimento de superioridade é dirigido a uma etnia ("raça") considerada inferior, seja por razões biológicas, seja por razões históricas, o racismo de classe se dirige a um grupo por suas características socioeconômicas e constrói, sobre ele, toda sorte de fantasias. Os pobres são ignorantes porque desconhecem as informações verdadeiras que nós possuímos sobre os políticos, a economia etc. São irracionais, porque as razões que dirigem seu voto são ilegítimas para nossas prioridades. E são incompetentes, porque, afinal, são pobres.

Três exemplos ajudam a ilustrar o que estamos falando. Em setembro, a Associação Comercial e Industrial de Ponta Grossa editou um manual defendendo que os favorecidos pelo Bolsa Família tivessem seus direitos políticos suspensos. Em outubro, publicados os resultados do primeiro turno, o ódio "aos nordestinos" voltou mais agressivo e menos constrangido do que em 2010. Agora, conforme a campanha eleitoral foi se tornando mais competitiva, o delírio do anticomunismo, mais extrovertido, e as oposições, mais confiantes, um economista de televisão pontificou no Facebook que "quem estuda não vota na Dilma". O esplendor dessa campanha foi atingido por um colunista social que sugeriu trancar em casa, no dia da eleição, as empregadas domésticas e os porteiros dos prédios para que não votassem na situação.

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Segundo o conhecimento comum, o preconceito é filho da ignorância. O otimismo dessa sentença moral está em acreditar que os dados objetivos e o diálogo racional funcionem como instrumento de dissuasão e de pacificação. Ocorre que a psicologia do racismo é alimentada pela paixão e pelo medo. Assim, pouco importa demonstrar que beneficiários de programas sociais não votam, como autômatos, "no PT", nem se convertem, como fanáticos, em petralhas. Votam racionalmente e preferencialmente na "situação", isto é, no governo, em qualquer governo. Ou que a divisão do voto no Brasil (agora e em 2010) não é geográfica, mas social.

As opiniões preconceituosas não são, entretanto, apenas falta de modos civilizados ou intolerância. Elas são também a expressão de um mal-estar maior. O que aparece como condenação ao governo de hoje (seus feitos e malfeitos) é, na realidade, uma condenação da própria política.

Campanhas de oposição a governos podem ser politicamente agressivas, exibir estatísticas verdadeiras, manipular outras informações nem tão verdadeiras, e reafirmar fanaticamente as convicções partidárias mais delirantes. Campanhas pró-governo, idem. Mas o que não se pode fazer, numa sociedade democrática, é advogar a ideia de que há duas classes de pessoas: as que votam bem e as que votam mal. A ideia liberal "um homem, um voto" até pode ser uma ficção jurídica, mas, no contexto em que vivemos, tem sua função civilizadora.

Adriano Codato, doutor em Ciência Política pela Unicamp, é professor de Ciência Política na UFPR, editor da Revista de Sociologia e Política (UFPR) e da revista Paraná Eleitoral (TRE-PR) e coordenador do Observatório de elites políticas e sociais do Brasil. Fábia Berlatto, doutoranda em Sociologia, é professora do curso de Especialização em Sociologia Política na UFPR e integrante do Centro de Estudos de Segurança Pública e Direitos Humanos da mesma universidade.

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