Não Somos Racistas (Editora Nova Fronteira, 143 págs., R$ 22) é o titulo do recém-lançado livro do jornalista Ali Kamel. A obra é um desabafo que, de algum modo, contribui para reconduzir torrentes de águas turvas ao leito do rio. Trata-se de um esforço, sereno e aberto, de mostrar o outro lado, freqüentemente omitido ou camuflado, da discussão sobre as políticas compensatórias ou "ações afirmativas" para remir a pobreza que, supostamente, castiga a população negra.

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Kamel, diretor-executivo de Jornalismo da Rede Globo de Televisão e ex-aluno do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é um intelectual inquieto. Por isso questiona pretensas unanimidades. Fustigado pela sua intuição de repórter, flagrou um denominador comum nos diversos projetos instituindo cotas raciais: a divisão do Brasil em duas cores: os brancos e não-brancos, com os não-brancos sendo considerados todos negros. A miscigenação, riqueza maior da nossa cultura, evaporou nos rarefeitos laboratórios dos legisladores. "Certo dia", comenta o jornalista, "caiu a ficha: para as estatísticas, negros eram todos aqueles que não eram brancos.(...) Pior: uma nação de brancos e negros onde os brancos oprimem os negros. Outro susto: aquele país não era o meu."

Do susto nasceu a reflexão. O desvio começa na década de 1950, pela ação da escola de Florestan Fernandes, da qual participava Fernando Henrique Cardoso. Para o autor, FHC presidente foi sempre seguidor do jovem sociólogo Fernando Henrique. Convencido de que a razão da desigualdade é o racismo dos brancos, FHC foi, de fato, o grande mentor das políticas de preferência racial. Lula, com sua obsessão populista, embarcou com tudo na canoa das cotas raciais.

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Ali Kamel bate forte na decisão que dividiu o Brasil em brancos e negros, quando o governo FHC determinou que os documentos oficiais deveriam juntar os pardos, mulatos e pretos sob um só rótulo – negros. Matou-se, por decreto, a realidade da miscigenação. Facilitou-se, falseando a realidade, o argumento de que os negros são 48% da população e 65,8% dos pobres. Errado. Destrinchando as estatísticas, o jornalista mostra que os negros são 6,4% da população (11 milhões); os pardos são 41,7% (76 milhões); e os brancos, 51% (93 milhões). Dos 57 milhões de pobres, 34 milhões são pardos (58,7% do total), 4 milhões são negros (7%) e 19 milhões são brancos (34,2%). Entre os pardos, os pobres são 44,7%; entre os negros, 36,4%; e entre os brancos, 20,4%. Quer dizer: os pardos são mais pobres que os negros. Nada nas estatísticas prova que a desigualdade é causada por racismo. "Somar pardos e negros", diz o autor, "seria apenas um erro metodológico se não estivesse na base de uma injustiça sem tamanho." Os números relativos aos pardos –porcentualmente, os brasileiros mais pobres – serviram para engordar as estatísticas de pobreza dos negros. Mas, na hora de distribuir os benefícios, boa parte dos pardos (os pardos/brancos) são excluídos.

Esgrimindo argumentos convincentes, o jornalista mostra que os desníveis salariais entre brancos e negros não tem fundamento racista: ganham menos sempre os que têm menos escolaridade. "Os mecanismos sociais de exclusão têm como vítimas os pobres, sejam brancos, negros, pardos, amarelos ou índios. E o principal mecanismo de reprodução da pobreza é a educação pública de baixa qualidade." Esta é a tese central de Ali Kamel. Só investimentos maciços em educação podem erradicar a pobreza. É preciso fugir da miragem do assistencialismo. "Tire o dinheiro do programa social e o pobre voltará a ser pobre, caso tenha saído da pobreza graças ao assistencialismo. E o pior: num país pobre como o nosso, cada centavo que deixa de ir para a educação contribui para a manutenção dos pobres na vida trágica que levam", adverte o autor.

Não existia até agora verdadeiro debate a respeito das chamadas "ações afirmativas". Respirava-se um clima de aparente unanimidade. Ali Kamel, exercendo seu direito de cidadão e jornalista, reabre a discussão. É importante, caro leitor. Para você e para mim. Afinal, o que está em jogo é a própria identidade cultural do nosso país.

Carlos Alberto Di Franco é diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra e diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia. difranco@ceu.org.br