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Os efeitos duradouros de uma política de pacificação social exigem mudanças radicalmente opostas ao modelo atual de segurança pública

Nas últimas décadas, o avanço da população brasileira em direção às grandes cidades, sem a contrapartida de investimentos públicos na oferta de condições mínimas, como oferta de emprego, infraestrutura urbana, acesso à saúde e ensino, provocou uma situação de instabilidade social permanente. Para conter esses níveis inaceitáveis de desigualdade social e a fragmentação do espaço territorial urbano que separa ricos, classe média, pobres e miseráveis, as autoridades oficiais de Estado optaram por investir em políticas de segurança destinadas a criminalizar condutas sociais e expandir a construção de prisões.

A política de confinamento penitenciário, ao contrário dos propósitos almejados de intimidação e ressocialização dos "fora da lei", permitiu a organização da indústria de controle do crime que, desde então, passou a operar à base da oferta de uma cesta de produtos e serviços ilegais: tráfico de drogas e armas, roubo de cargas, sequestros relâmpagos ou em cárceres privados, falsificação de combustíveis etc.

Na medida em que a origem de inúmeros problemas sociais urbanos não podem ser resolvidos à base do discurso demagógico da lei penal e do cano vingativo das armas, as políticas oficiais de criminalização da miséria tendem a multiplicar o número de encarcerados, acelerar o colapso do sistema prisional e, em consequência, empurrar as próprias instituições de controle e repressão do Estado para o banco dos réus.

Na cidade do Rio de Janeiro, como nas de outros estados, a indústria de controle do crime opera à base de relações de cumplicidade entre agentes da polícia, traficantes e milicianos. Em torno dessa trama dialética, o legal e o ilegal habitam o mesmo terreno, comungam interesses inconfessáveis e fazem prosperar, à margem da lei, a rede de desmandos e ilegalidades. A mídia brasileira estampa diariamente uma coleção intrigante de ações ilegais perpetradas pela indústria de controle do crime, envolvendo a participação de autoridades oficiais corruptas vinculadas às estruturas de repressão e controle penal do Estado. Como reverter essa situação?

A política embrionária de implantação das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) pelo governo do estado do Rio de Janeiro, com apoio técnico e material do governo federal, sinaliza o caminho de soluções sociais para reverter o histórico de exclusão social e de violação sistemática dos direitos humanos. Contudo, é preciso advertir que os efeitos duradouros de uma política de pacificação social exigem mudanças políticas e culturais radicalmente opostas ao modelo atual de segurança pública, por considerá-lo socialmente injusto, segregador e elitista.

Quem sabe as gerações atuais, animadas por um espírito democrático, republicano e igualitário, terão vergonha de contar aos seus filhos a persistência no país de um modelo de política criminal e de segurança pública que, há anos, investe quantias superiores a R$ 1.200 mensais para cuidar de um preso no sistema penitenciário adulto ou quase R$ 3 mil mensais para cuidar de jovens em conflito com a lei que estão privados da liberdade. Em contrapartida, disponibiliza menos de R$ 600 por ano para que cada criança brasileira tenha acesso ao ensino público fundamental e possa, para além do tráfico de drogas, almejar ser alguém no futuro.

Cezar Bueno, doutor em Ciências Sociais, é professor da PUCPR.

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