Foto aérea da Estada do Colono.| Foto: Marcos Labanca/Cedida pelo autor
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Imagine máquinas pesadas rasgando novamente uma antiga cicatriz na mata do Parque Nacional do Iguaçu (PNI) e derrubando milhares de árvores de uma floresta que está em risco de extinção, em um dos parques nacionais mais importantes do Brasil. Pois é isto que está sendo discutido e votado de maneira urgente: a abertura de uma estrada que “rasga” ao meio o PNI.

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Estas imagens correriam o mundo. Foz do Iguaçu é um dos mais visitados destinos turísticos do Brasil. O Parque Nacional do Iguaçu é designado Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco, que pediu ao Brasil garantias de que a Estrada do Colono não fosse reaberta, condição que causaria risco de perda do título.

A economia de Foz do Iguaçu depende substantivamente do turismo, que sofreu e ainda sofre o efeito econômico devastador da pandemia. Iguaçu é um destino cujo atrativo principal é a natureza. Em um momento tão delicado como esse, o deputado Vermelho (PSD-PR), autor do Projeto de Lei 984/19, quer arriscar consequências ainda maiores para uma grande região por causa de uma estrada. Quem compactua com a ideia é cúmplice e corresponsável pelo desastroso impacto que isso terá.

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O PL 984 propõe não apenas a abertura de uma estrada que rasgaria transversalmente o Parque Nacional do Iguaçu, condenando sua maior face (a Face Norte) à extinção, mas também ameaça todo o Sistema de Unidades de Conservação do Brasil (Snuc), a partir da criação de uma suposta nova categoria de Unidade de Conservação, que permite a construção de rodovias em áreas protegidas.

O PL causaria um desastre ambiental sem precedentes na história da região do Iguaçu e do Brasil. Vale ressaltar que o caminho de 17,6 km que cortava o PNI foi definitivamente fechado por determinação da Justiça Federal em 2001.

Segundo o Ministério Público Federal (MPF), a reabertura da Estrada do Colono causaria o desmatamento de dezenas de hectares no trecho mais importante para a preservação do Parque. Se aprovado, esse abusivo projeto causará, ainda, a ruptura do ecossistema, com isolamento de animais pela separação geográfica, a erosão e assoreamento de cursos d’água, o atropelamento de animais, a facilitação da entrada de caçadores e palmiteiros e diversos outros modos de degradação ambiental não mensurados.

A reabertura do trajeto é inviável, ainda, pelo fato de que ele rasga o Parque Nacional do Iguaçu, uma área de preservação ambiental permanente de uso indireto. Desse modo, a reabertura tem a intenção vaga de beneficiar uma pequena parcela da população do estado do Paraná, mas afeta as Unidades de Conservação em geral, ou seja, afeta todos os brasileiros.

Em quase duas décadas de estrada fechada, a população de onças-pintadas no Parque Nacional dobrou – a única população da espécie que está crescendo na Mata Atlântica. Desde então, o que resta da antiga estrada é apenas uma “cicatriz” em meio à mata, visto que, conforme verificado em sobrevoo realizado pelo Ministério Público Federal em 2019, a floresta está completamente regenerada.

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O Parque Nacional do Iguaçu é um dos últimos grandes remanescentes da Mata Atlântica, bioma que hoje está reduzido a menos de 13% da extensão original. Por apresentar um alto índice de endemismo e de diversidade biológica, e tendo-se em vista que 70% da população concentra-se onde originalmente era esse domínio, seus remanescentes são considerados áreas prioritárias para conservação. Devido a essas características únicas, o PNI foi estabelecido como Patrimônio Natural Mundial da Unesco, e a Mata Atlântica foi expressamente reconhecida pela Constituição Federal de 1988.

A Nota Técnica do Ministério Público Federal diz também que a Estrada do Colono, a par de sua importância histórica e cultural, não tem viabilidade econômica nenhuma para o estado do Paraná. O Ministério Público Federal estima o custo mínimo para construção da Estrada do Colono em não menos de R$ 50 milhões, e enfatiza o baixo custo-benefício do empreendimento. Como é bastante conhecido, existem várias prioridades em termos de construção ou ampliação de estradas no Paraná que poderiam se beneficiar desse investimento.

Diante disso, o processo conflituoso envolvendo a reivindicação pela reabertura da Estrada do Colono revela interesses escusos desalinhados com as políticas de conservação e proteção do meio ambiente. Nesse campo de disputas, compactuar com a reabertura de uma rodovia que corta o Parque Nacional do Iguaçu é absurdo e violento, viola o princípio da supremacia do interesse público, desrespeita uma decisão judicial transitada em julgado e contém em si vícios de inconstitucionalidade.

Quem não enxerga os riscos que a estrada representa para a economia e para as espécies do Parque Nacional do Iguaçu certamente tem uma visão muito limitada sobre desenvolvimento e conservação. Que bom seria se nossos representantes desenvolvessem propostas desenhadas em cima de bases técnicas, com benefícios mútuos entre as pessoas e a nossa Mata Atlântica. Não podemos nos apegar a argumentos com mais de 30 anos de idade para justificar esse ato criminoso.

Santos Dumont, em visita às Cataratas, afirmou: “esta maravilha não pode continuar a pertencer a um particular”. Da mesma maneira, a abertura da Estrada do Colono não pode servir a interesses econômicos obscuros de poucos e ameaçar a biodiversidade e este patrimônio natural da humanidade.

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Clóvis Borges é diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS). Raby Khalil é presidente do Conselho Municipal de Meio Ambiente de Foz do Iguaçu/ADERE. Carmel Croukamp é diretora-geral do Parque das Aves.