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Na mesma época em que ouvi falar de Tocqueville, tive o primeiro contato com as leis. Não da mesma forma que um leigo tem acessando a internet em busca da Constituição Federal, de códigos e de leis complementares com nome de famosos. Eu aprendia a estrutura de uma Constituição Federal, os princípios que a regem, os direitos fundamentais e qualquer outra coisa que meu cérebro decidiu não armazenar ao longo dos anos. Recordar é um verbo bitransitivo originado no latim recordare: re (repetir) e cordis (coração). Embora eu não me lembre das aulas deste querido professor – que Deus o tenha –, eu recordo o que senti e o que pensei enquanto aprendia tudo aquilo: todo mundo precisa saber disso.
Alguns anos depois, o presidente da Comissão de Educação, o deputado federal Nikolas Ferreira, durante seu mandato de vereador, foi coautor da Lei 11.328/21 que instituiu aulas de empreendedorismo e noções de direito e cidadania no contraturno das escolas municipais de todo o estado de Minas Gerais. Mas ter noção de um assunto não torna alguém especialista na área. Você não pode perambular por uma faculdade em busca de conhecimento por um par de anos e presumir ser uma autoridade no ramo, ainda que o papel aceite tudo, como um título de pós-doutor.
Frédéric Bastiat, economista francês, explica a forma como grande parte da população assimila as leis. Para estas pessoas, se está na lei é porque é justo e para o bem de todos. Em contrapartida, em minha livre interpretação da página 36 do livro A Lei, se não está coberto pela lei é porque não deve fazer bem ao povo.
Para entender melhor o nosso ordenamento jurídico, você precisa saber que ele é aplicado de duas formas. Aos agentes públicos, que trabalham para o Estado, só é permitido atuar seguindo estritamente o que diz a lei. Aos particulares, onde nos incluímos, é permitido fazer tudo o que a lei não proíbe. Em outras palavras, se não há uma lei que proíba a mentira ou a divulgação de notícias falsas – em grego, ψεύτικεςειδήσεις, em latim, fake nuntium, em francês, fausses nouvelles –, não é permitido investigar, condenar e penalizar alguém por isso. Essa não é a minha vontade, mas o que está disposto no art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal (CF): Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.
Não há no Código Penal o crime de ensinar os filhos em casa – de educá-los em casa ou de praticar o ensino domiciliar ou homeschool, como preferir –, portanto, toda e qualquer ação penal que trate a prática como caso de evasão escolar, ou que desconsidere o método de ensino alternativo, não pode ser classificada como outra coisa senão como ignorância ou perseguição.
De acordo com o art. 226, CF, a família é a base da sociedade e, por isso, tem proteção especial do Estado. Determinar a matrícula em uma escola de uma criança que tem garantido o direito à educação, estabelecer multa diária de um mil reais de forma desproporcional à situação econômica dos pais e ventilar a possibilidade de perda da guarda por esta razão não é o meu conceito de proteção especial. Talvez eu tenha frequentado a Universidade errada. Talvez seja por isso que não sou editora, mas escritora.
Isadora Palanca é escritora e autora dos livros "Regulamentações do ensino domiciliar no mundo" (Estudos Nacionais, 2022) e "Ensino domiciliar na política e no direito" (Estudos Nacionais, 2022).
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos