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A rebeldia amazônica
| Foto: Antonio Lacerda/Agência EFE

A Amazônia fervilha com vitalidade humana. A floresta fervilha com vida, o verde aqui cresce mais rápido, com maior diversidade e mais pujante do que em qualquer outro lugar do mundo. Entretanto, não conseguimos fazer essa energia convergir. Desperdiçamos capacidade humana por todos os lados na região, enquanto continuamos a perder cobertura verde. O destino da região reside na canalização da energia que o povo amazônico dispõe em amplitude em conjunto com a pujança da natureza para atividades que tragam prosperidade para a região e além.  

Coloque-se no lugar de um jovem amazônico, nascido em alguma cidade secundária à beira de um rio ou uma estrada. O que você vê ao seu redor? Quais as suas possibilidades de emprego ou de empreender?  Você vê muita informalidade.

É possível entregar mais Amazônia e mais PIB à próxima geração. Mas o fabrico do futuro é fruto do planejamento e trabalho de todos, já dizia o amazônida Samuel Benchimol

Comerciários, pedreiros, pescadores, garçons, motoboys, feirantes, dentre outros, sem carteira assinada. Todas profissões honrosas, mas nenhuma delas oferecendo ascensão a um módico de prosperidade, a uma classe média. Todos esses recebendo bolsa família, os mais velhos com aposentadoria rural. O auge tende a ser um emprego público. Se você olha fora da área urbana, vê garimpo em alguns casos, gado em todos os casos, agricultura familiar de subsistência em geral e madeireiras ilegais. Nada promissor. Quanto talento humano mal empregado…

E quando ele decide empreender, de que alternativas ele dispõe? Aqueles com maior energia encontram um pedaço de terra inabitado (há muitos) com floresta. Com alguma ajuda e equipamento emprestado, desmata e, com alguma sorte, se depara com algumas espécies de madeira de bom valor. Ele vende essa madeira, informalmente, para a serraria da cidade (toda cidade tem uma, em geral informal). Pronto, agora ele tem capital de giro e tem um terreno onde fazer mineração. 

Chamo de mineração, apesar de que ele vai plantar algum capim, comprar uns bezerros e fazer pecuária, pois na prática ele está minerando os nutrientes do solo que a floresta removida deixou para trás. Inicialmente o capim cresce bem, mas dentro de 2-3 anos, esse terreno será de baixa produtividade, comportando 0,5 cabeças de gado por hectare, o suficiente para viver levemente acima da subsistência. Se ele fizer esse mesmo processo algumas vezes, chegará à classe média. Ele venderá esse gado para o açougue da cidade, que o abaterá no matadouro do município informalmente. Ele será um vilão aos olhos do mundo e da Polícia Federal.

O trabalho necessário para fazer essa história acontecer é enorme e reflete a tenacidade do sonho moderno, onde um jovem esperançoso busca conquistar seu contexto, não como proletário, mas como pequeno burguês. Essa é a essência do sonho amazônico. Esse cenário, que se repete inúmeras vezes na Amazônia, é indesejado pela sociedade como um todo. A Amazônia e o Brasil desejam uma Amazônia próspera mas também conservada. Como fazê-lo?

Tento oferecer algumas respostas. Antes de tudo, com ambição. A última vez que alguém criou uma ambição empolgante para a Amazônia foi nos anos 60, os militares. Milhões de brasileiros se mobilizaram naquela visão, adequada para aquele momento. Mas em 2024, como seria uma visão e ambição adequada para 2030 na Amazônia? Proponho dois ingredientes (de muitos necessários) para debate, com a esperança de que sejam faíscas para um debate mais amplo e possível mobilização nacional.  

Primeiro, ciência, tecnologia e inovação. É preciso investir bilhões de forma perene e com paciência. Assim como a EMBRAPA gerou um centro-oeste pujante, o ITA gerou um polo aeroespacial onde não havia nada, o IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) gerou um Fields Medal (prêmio Nobel da matemática) e muitos outros benefícios, o Brasil deve pensar grande através do conhecimento na Amazônia. O Brasil já pensou grande e de forma estratégica no passado, quando criou o proálcool, política de hidrelétricas, Zona Franca de Manaus, desenvolveu Carajás, ocupou Rondônia, dentre outros.

Em todos esses casos mencionados, demorou décadas para que o resultado aparecesse. Está na hora de pensar grande novamente, com apoio internacional. Se os estrangeiros querem contribuir, que seja contribuindo para a expansão do conhecimento e incremento da produtividade na região, em meio a uma conservação próspera e transformadora. Só assim podemos sonhar com um 2040 ou 2050 melhor.

Segundo, um grande programa de utilização de áreas degradadas e de baixa produtividade. São cerca de 70 milhões de hectares desmatados e de baixa produtividade na Amazônia brasileira. Mais que uma França. Um milhão de hectares de piscicultura produziria 2kg de peixe para cada ser humano vivo por ano, cerca de 10% da proteína necessária no mundo.  Sistemas agroflorestais podem desde armazenar carbono a produzir comida e madeira em abundância tão grande que meros 20% dessas áreas, se ocupadas com alta produtividade, tornariam a região rica. Há inúmeras alternativas, mas que só são transformadoras no contexto de uma ambição enorme. Precisamos de políticas, regras e de leis que estimulem investimentos produtivos com impactos positivos no meio ambiente. Seria uma mobilização de guerra contra a baixa produtividade.

É possível entregar mais Amazônia e mais PIB à próxima geração. Mas o fabrico do futuro é fruto do planejamento e trabalho de todos, já dizia o amazônida Samuel Benchimol. Não há mais tempo, florestas, vidas humanas ou produtividade a perder.  

Denis Minev é economista formado pela Universidade Stanford, diretor presidente da Bemol e co-fundador e conselheiro da Fundação Amazonas Sustentável.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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